IMAGENS DE ROBINSON CAVALCANTI
Julio Borges Filho
A morte trágica do Bispo Robinson Cavalcanti e de sua esposa Mirian, no domingo 26 de fevereiro de 2012, deixou-me profundamente triste. Eles não mereciam morrer assim: assassinados pelo próprio filho. Trago na memória algumas imagens ricas deste pensador inteligente e bem humorado.
A primeira vez que o vi foi em Recife acompanhando Dionísio Pepe na organização da Aliança Bíblica Universitária – ABU na capital pernambucana. Era então um universitário vivo, contagiante, inteligente e engajado na igreja. Impressionou-me a rapidez de raciocínio e a dedicação à Causa Santa.
Na minha formatura no Seminário Teológica Batista do Norte do Brasil em 1969, na Igreja Batista da Capunga, ele me abraçou emocionado pelo meu discurso feito em três mãos sobre “Novos rumos para a igreja”. Daí pra frente, sempre que me encontrava, relembrava o discurso revolucionário que, segundo ele, arrebatou e escandalizou o auditório repleto.
Estive em Recife, lá pelo ano de 1989 quando era assessor eclesiástico de Visão Mundial para o Centro-Oeste, e conheci sua simpática esposa Mirian que me impressionou pela simplicidade, transparência, simpatia e engajamento social. A imagem que trago de Robinson na época é a de um professor dedicado me apresentando a dois alunos seus como o autor de um discurso histórico para a igreja.
Reencontrei-o em Belo Horizonte num simpósio promovido por Visão Mundial num mosteiro católico sobre a responsabilidade social da igreja. Acho que foi em 1989. Ele vivia uma fase pessimista em relação à Igreja na apresentação de sua tese que terminou com a frase: “O sonho acabou.” Provocante, provocou uma grande discussão.
Viajei com ele de carro, dirigido por Serguem Jessui Machado, para um congresso de pastores promovido por Visão Mundial na cidade de Barra do Garças, Mato Grosso (1990). Saímos de Brasília e o papo foi animado durante a viagem inteira. Foi então que ele me contou que sofria de gota, e eu brinquei dizendo: O homem tá com a gota!… Estava também entusiasmado com a Ordem de Santo Estêvão que iria fundar. Em sua palestra no congresso ele defendeu a missão integral da igreja de salvar, não almas, mas pessoas inteiras.
Cristovam Buarque, creio que em 2000, pediu-me o nome de um líder representativo dos evangélicos para uma entrevista num programa que ele mantinha no Teatro dos Bancários em Brasília transmitido por uma TV a cabo. Eu indiquei o nome de Robinson porque sabia que ele não iria nos decepcionar. Ele esteve magnífico logo no início da entrevista. Cristovam comentou que os evangélicos são muito divididos, e Robinson lúcido e bem humorado, respondeu: “Não tanto quanto o Partido dos Trabalhadores…” Isso provocou uma gargalhada geral e a entrevista seguiu sempre bem humorada com dois homens muito inteligentes e comprometidos com as causas sociais.
Vindo de Belo Horizonte num vôo da VARIG para Brasília, acho que em 2003, sentei ao lado de uma moça extrovertida e simpática que, quando descobriu que eu era pastor, perguntava sobre tudo, porque era recém convertida numa igreja evangélica. O bispo Robinson vinha numa poltrona atrás da minha, de São Paulo, vestido de roupa clerical, e conversamos rapidamente sobre o II Congresso Brasileiro de Evangelização realizado na capital mineira do qual participei. Disse-lhe que senti a falta dele entre os palestrantes e, ele um pouco amargurado, disse-me que não fora convidado para nada. Achei que foi uma injustiça dos líderes evangelicais do Brasil. A moça ao meu lado, notou a aliança não mãe esquerda dele, ficou surpresa de que um bispo fosse casado.
A última vez que conversei com ele foi em um encontro em Brasília do Movimento Evangélico Progressista com a presença de Marina. Ele criticou o PT no governo como traidor dos ideais do partido. Foi contido no seu ímpeto um pouco por Marina, então ministra do meio ambiente, e um pouco por mim. Lembro-me ter dito que ele era uma voz profética no Brasil, mas nós precisávamos de um profetismo coletivo que ele poderia liderar. Convidei-o depois para um Seminário sobre Ética na Política que estava planejando na Câmara dos Deputados a pedido do então deputado federal Wasny de Roure. Foi quando surgiu o Mensalão e fomos obrigados a cancelar o seminário. Quando telefonei para ele cancelando a sua vinda a Brasília, ele protestou dizendo que é nos momentos de crise que precisamos falar sobre ética, e tinha absoluta razão. E foi a última vez que conversei com ele.
Eu o vi, pela última vez, na consagração ao espiscopado da Igreja Anglicana do bispo Maurício Andrade na Cadedral de Brasília, mas apenas nos abraçamos. Foi meu último abraço no amigo. Daí pra frente acompanhei pela internet e na revista Ultimatum suas posições na Igreja Episcopal Anglicana, a divisão de sua diocese em Pernambuco, suas posições sobre o homossexualismo e sobre acomplexa comunidade evangélica brasileira. Sempre assumiu uma posição, mesmo que polêmica. Jamais ficou em cima do muro.
Morre um homem raro, um líder anglicano e evangélico, um intelectual cristão que fará imensa falta. Sua voz sempre lúcida, com ironia fina e corajosa há de continuar viva entre nós porque homens assim, como o justo Abel, depois de morto ainda fala.