EXPECTATIVAS SEM PERSPECTIVAS
Texto base: Jo. 5:1-9
1 – Contextualização
Jesus passara pela Samaria, onde tivera o encontro e o diálogo com a mulher samaritana. De lá fora para a Galileia e de lá para Jerusalém, por que era o tempo de uma das festas dos judeus. Chegando a Jerusalém, junto a uma das entradas da cidade, a Porta das Ovelhas, havia um tanque, um tipo de piscina, chamado Tanque de Betesda. Dizia a crendice popular que de vez em quando um anjo descia nas águas agitando-a. Quando isso acontecia, o primeiro que entrasse na água seria curado. Era o equivalente às manifestações de religiosidade popular de nossos dias, aos lugares de peregrinação: Juazeiro do Norte, Aparecida do Norte, etc. Não se sabe ao certo como ou quando algo assim começa: alguém dá a notícia que um milagre aconteceu em algum lugar ou de alguma maneira característica, a notícia se espalha e gera-se todo um movimento em torno daquilo. O mito alimenta-se da dor, das expectativas das pessoas e da sede pelo transcendente. Parece que o mito de Betesda se encaixava perfeitamente nessa fórmula.
E Jesus, ou por estar passando por perto, ou intencionalmente, chegou a esse lugar. Lá encontrou o homem: doente há 38 anos, provavelmente sofrendo de algum tipo de paralisia ou deficiência que o impedia de correr e disputar o primeiro lugar no banho milagroso. Não se sabe há quanto tempo frequentava o lugar com a expectativa de que algum dia alguma mão caridosa o lançasse na água antes dos outros ou algum enfermo lhe cedesse a vez. Até aquele momento nada disso havia acontecido. Um homem com muitas expectativas, mas poucas perspectivas de vê-las alcançadas.
2 – A atitude de Jesus
A primeira pergunta que nos vem à mente é: o que Jesus estava fazendo naquele lugar? A Bíblia não diz se Ele estava simplesmente passando, por estar no seu caminho, ou se Ele se dirigiu até aquele lugar. Também não dá nenhum indício de Sua opinião sobre aquele lugar, se Ele concordava ou não, se achava que era verdade ou não. Será que sua presença não poderia ser interpretada como um incentivo àquele tipo de crença? Parece que Ele não estava nem um pouco preocupado com isso. O que Ele sabia é que lá havia um homem que precisava de ajuda, e há muito tempo. Ele foi direto à expectativa frustrada do doente: Você quer ser curado?
O homem não tem consciência da oportunidade que está se apresentando a ele, e perante a pergunta simples e direta de Jesus, procura se justificar, explicar porque ainda não conseguira alcançar a cura, começa a enumerar as dificuldades e obstáculos que enfrenta e que o impedem de atingir sua expectativa. Essa é uma reação interessante: muitas vezes, frente a um problema ou alguma impossibilidade, somos levados a reagir como se nos sentíssemos culpados por termos o problema e a nos justificar porque ainda não conseguimos nos livrar dele. Jesus traz o homem novamente ao foco: os obstáculos não interessam, toma o teu leito e anda. Jesus não quer entrar na discussão se aquela situação é verdadeira ou não, se a situação do homem é justa ou não, Ele vê a necessidade direta e a fé do homem em ser curado. Este por sua vez ao ser apresentado a uma alternativa, não questiona, não duvida; levanta-se pega sua cama e sai andando.
Lembra um pouco a metáfora contada por Rubem Alves, citando Kieerkgaard: um homem humildemente e com uma fé autêntica faz uma oração, só que a dirige a um ídolo. E outro, arrogante e presunçoso, eleva uma oração a Deus, ao Deus verdadeiro. Qual dos dois teve a prece atendida: o que orou com uma fé verdadeira a um deus falso ou o que orou sem fé ao Deus verdadeiro? O primeiro, obviamente. Porque para Deus a condição é a fé, não o processo. Não interessava se o homem estava colocando a sua fé num processo falso, mítico, mas sua fé foi recompensada pela cura. Isso vai contra a estratégia de marketing de muitas igrejas que chamam as pessoas, prometendo que ali há poder, ali elas encontrarão a cura e a manifestação de Deus. E também explica porque vemos a manifestação de Deus e a transformação de vidas em igrejas e grupos que, ao nosso juízo, estão longe da verdade de Deus. Deus atua não por causa da igreja, e também não se ausenta por causa dela, mas Ele vê a fé das pessoas e então ali, e por elas, Ele se manifesta.
A sequência do relato mostra a radical diferença entre a escala de valores de Jesus e dos fariseus. Enquanto para Jesus não interessava nem o método com que o homem estava procurando sua cura, nem questões teológicas que pudessem envolver o fato, mas simplesmente sua necessidade, sua fé e perseverança em procurar a cura, para os fariseus sua situação era detalhe de somenos. Jesus não se preocupou nem em se identificar ao homem. Mas para os judeus, era sábado e ele não poderia estar carregando sua cama. Nenhum bem poderia contrariar as tradições ou convicções teológicas. As “verdades” deveriam ser superiores à prática do bem, se elas fossem antagônicas. O legalismo tira o foco da verdadeira vontade de Deus, e esconde sua bondade.
Jesus, encontrando novamente o homem, se identifica e aí, sim, faz uma advertência: “olha que você já está curado. Não peque mais para que não lhe suceda coisa pior”. Ou seja, a cura não se esgotava em si mesma, mas era o início de um processo, era a perspectiva de uma nova vida, novos valores. A cura poderia ser o marco inicial de uma nova realidade, de uma vida inteiramente nova.
3 – Aplicação
Gostaria de refletir um pouco na aplicação dessas conclusões em nossas vidas, sob duas óticas diferentes: sob o ponto de vista do homem, quando estamos à frente de um problema, buscando solução, e na posição de Jesus, quando nos encontramos na posição de podermos ser a solução.
Muitas vezes, frente a problemas e desafios, ou nos conformamos com o problema ou, como aquele homem, nos acomodamos na solução. A perseverança do homem foi recompensada pela cura, mas ela veio não de onde ele estava esperando. A corrida pelo mergulho parecia ser a única solução possível. O costume e a vontade de ser curado o impediam de ver novas possibilidades, novas opções de cura. Jesus estava ao seu lado mas até aquele momento representava só alguém que poderia ouvir suas justificativas e talvez amenizar sua frustração ou sentimento de culpa por não ser capaz de resolver seu problema. Foi preciso que Jesus o trouxesse ao foco novamente: o que você quer? Ser o primeiro a alcançar a água ou ser curado? Por costume ou tradição muitas vezes nos prendemos mais ao método do que à solução efetiva do problema. Jesus nos chama de volta ao ponto central: o que você realmente precisa? Qual é na realidade o problema que precisa ser resolvido? Se ficarmos congelados nas expectativas tradicionais podemos perder a perspectiva de solução, que pode estar ao nosso lado, ou ao nosso alcance, mas não percebemos. Muitas vezes nos recusamos a aceitar a solução porque ela não vem de onde pensávamos que deveria vir. Nossas expectativas nos cegam em relação às perspectivas reais que se nos apresentam. Para que sejamos trazidos de volta à questão principal precisamos apenas responder: queremos ser curados? Essa é a pergunta e a resposta importantes.
O outro lado da questão diz respeito à nossa disponibilidade. Jesus sentiu a necessidade do homem e o curou. Não pediu sua adesão, que o seguisse, que deixasse aquele lugar, nem mesmo se identificou no primeiro momento. Quando a oportunidade de fazer o bem se nos apresenta, estamos sempre disponíveis para agir? Somos desprendidos para simplesmente atendermos às necessidades daqueles que nos demandam, ou preconceitos e diferenças entre os valores dos envolvidos nos impedem ou bloqueiam nossa ação? Dispomo-nos incondicionalmente aos outros, ou somos levados por segundas intenções, aguardando, mesmo que inconscientemente, recompensas, reconhecimento ou adesão?
Assim como Jesus trouxe perspectiva à expectativa daquele enfermo, também nos desafia a termos a sabedoria para discernirmos, frente a cada situação, qual a melhor maneira de sermos o sinal da presença do Reino em nosso meio.
Quer estejamos buscando alívio às nossas angústias, quer estejamos nos dispondo a oferecermos o alívio para as angústias de outros, não deixemos que as nossas expectativas ceguem as perspectivas que Deus coloca ao nosso lado.
Wilson Xavier Dias