ESTUDO NO LIVRO DE COLOSSENSES (Parte 6)
Por Nilson Pereira de Moura – Bacharel em Teologia e Pastor da ICB
Colossenses 3.22-4.18:
Escravos, obedeçam em tudo a seus senhores terrenos, não somente para agradá-los quando eles estão observando, mas com sinceridade de coração, pelo fato de vocês temerem o Senhor. Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês tão servindo. Quem cometer injustiça receberá de volta injustiça, e não haverá exceção para ninguém. Senhores, deem aos seus escravos o que é justo e direito, sabendo que vocês também têm um Senhor nos céus.. (NVI).
Como disse em estudo anterior, o texto de Paulo que trata dos relacionamentos entre maridos e esposas; filhos e pais continua agora a tratar de um assunto complexo, a relação entre escravizador e escravizado. O texto é geralmente mal interpretado. O interpretamos à luz da sociedade em que vivemos. Como disse também na ocasião, Paulo está escrevendo para a Igreja de Jesus Cristo e não para a sociedade fora dela. Os parâmetros da igreja não podem ser os parâmetros do mundo. Este é na realidade, um texto revolucionário, partindo do princípio de que uma nova sociedade está surgindo. Essa nova sociedade é a igreja onde todos são iguais em Cristo.
Quando digo que Paulo estava sendo revolucionário é porque na sua época a escravidão era aceita, assim como foi aceita em épocas mais recentes. Naquele momento não havia espaço para pregar uma rebelião contra a escravatura, era perigoso para os escravos. O tema não é de tudo silenciado pelo apóstolo. Ele prega uma relação de reciprocidade entre escravizador e escravizado, porque agora ambos têm um mesmo Senhor nos céus. Além do mais, ele ensina que em havendo oportunidade de se libertar da escravidão, que se liberte – Em 1Cor 7.21-22 é dito:
“Foi você chamado sendo escravo? Não se incomode com isso. Mas, se você puder conseguir a liberdade, consiga-a, pois aquele que, sendo escravo, foi chamado pelo Senhor, é liberto e pertence ao Senhor; semelhantemente, aquele que era livre quando foi chamado, é escravo de Cristo. Vocês foram comprados por alto preço; não se tornem escravos de homens”.
Não havia muito que fazer nesse contexto, mas julgo que era um embrião para se fomentar a liberdade em Cristo e a liberdade social – o que são coisas distintas. O escravo em Cristo é livre. O escravizador em Cristo é escravo de Cristo.
A igreja de Cristo infelizmente foi institucionalizada e se corrompeu mantendo uma distância da proposta originária do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. A institucionalização da igreja começou quando o Imperador Constantino editou um decreto permitindo o culto cristão (Séc. 3), e tornou-se oficial quando Teodósio no Séc. 4 decretou o cristianismo como religião oficial do Estado Romano. Após a decadência do Império Romano pelos idos dos Séculos 6-7, o Bispo de Roma elimina os bispos das províncias e assume o poder temporal e atemporal tornando-se Papa. Até então, havia a Igreja Católica Apostólica. Após essa época surge a Igreja Católica Apostólica Romana. A maioria das igrejas institucionalizadas (romana e protestante) perpetuou e, até certo ponto apoiou o estado lamentável da escravidão do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus.
É sabido que na época do Império Romano havia pelo menos 60 milhões de escravos. As igrejas da época de Paulo eram compostas, na sua maioria por escravos. Isso não quer dizer que Deus aprovava a escravidão. Pelo contrário, Deus não se agrada do homem e/ou da mulher que explora o seu semelhante (de Deus e dele mesmo).
Outro exemplo de que Paulo não aprovava a escravidão é encontrado em sua carta a Filemon, quando ele restitui um ex-escravo ao seu ex-dono, ele escreve em Filemon 9-16:
“Eu, Paulo, já velho, e agora também prisioneiro de Cristo Jesus, apelo em favor de meu filho Onésimo, que gerei enquanto estava preso. Ele antes lhe era inútil, mas agora é útil, tanto para você quanto para mim. Mando-o de volta a você, como se fosse meu próprio coração. Gostaria de mantê-lo comigo para que me ajudasse em seu lugar enquanto estou preso por causa do evangelho. Mas não quis fazer nada sem a sua permissão, para que qualquer favor que você fizer seja espontâneo, e não forçado. Talvez ele tenha sido separado de você por algum tempo, para que você o tivesse de volta para sempre, não mais como escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como cristão”.
São coisas que muitos não entendem quando leem a Bíblia. Onésimo de escravo fugitivo passou a ser irmão amado em Cristo.
Em nossos dias temos vasta legislação que garante direitos e deveres aos trabalhadores em muitas partes do mundo. Embora ainda existam países que mantém uma relação de exploração de mão de obra do ser humano, por ex.: China, Índia, (Cuba e muitos outros países asiáticos que usam mão de obra escrava para baratear a produção de bens consumidos em todo o mundo ocidental), No Brasil ainda temos notícias de muita mão de obra escrava, em sua maioria no campo. Também existem algumas empresas brasileiras que trazem pessoas oriundas de países vizinhos (ex.: Bolívia, Paraguai) para trabalhar em condições sub-humanas no fabrico de roupas e muitas outras tarefas correlatas. Essa triste situação no mundo é vergonhoso e criminoso.
Com a evolução da sociedade e da igreja é inadmissível que permaneça esse estado de coisas tanto no Brasil como em qualquer outra parte do mundo cristão ou não. Muitos teem feito uma exegese e hermenêutica de que o empregado cristão deve dar um bom testemunho para os patrões incrédulos que os explora, e pior ainda, quando o patrão se diz cristão e usa da mesma exegese e hermenêutica para explorar e escravizar seu empregado em nome de Cristo. Além disso, ainda de pagam salários aviltantes como Tiago, o irmão do Senhor, escreve em sua carta (Tiago 5.4-6):
“vejam, o salário dos trabalhadores que ceifaram os seus campos, “indústrias, fábricas” e que vocês retiveram com fraude, está clamando contra vocês. O lamento dos ceifeiros “trabalhadores” chegou aos ouvidos do senhor dos Exércitos. Vocês viveram luxuosamente na terra, desfrutando prazeres, e fartaram-se de comida em dia de abate “matança”. Vocês têm condenado e matado o justo, sem que ele ofereça resistência”. (NVI)
Os cristãos pós-modernos se esquecem de que a exegese e a hermenêutica correta devem ser a de que ambos: patrão e empregado cristãos estão sujeitos ao mesmo Senhor. Ambos devem dar um bom testemunho de justiça e honestidade – o patrão e o empregado. São todos serviçais do mesmo Senhor, conforme está escrito em Cl 3.24-25:
“Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês tão servindo”.
Assim, não cabe fazer apenas uma interpretação análoga dos dias do apóstolo Paulo para os nossos dias. Deve-se, observar, as novas leis da relação de trabalho em nosso tempo. Embora como já registrado quem estiver em Cristo seja patrão ou empregado deve obedecer além das leis humanas às leis divinas, ou seja, a reciprocidade do amor em Cristo.
O apóstolo Paulo escreve em Gálatas 5.13-14:
“Irmãos, vocês foram chamados para liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; ao contrário, sirvam uns aos outros mediante o amor. Toda a Lei se resume num só mandamento – Ame o seu próximo como a si mesmo”.
Esse é o novo parâmetro da sociedade emergente, a igreja corpo de Jesus Cristo.
Finalmente, a igreja deve com a bagagem histórica e teológica acumulada ao longo de mais de 2000 anos, denunciar toda injustiça praticada, seja ela na escravização, seja ela na nova estrutura social. Se possível, até boicotar os produtos produzidos nestas condições de exploração humana aviltante. Entretanto, infelizmente, os países tidos como cristãos estão auferindo benefícios dessa situação. Entendo que os cristãos deveriam reafirmar o que Paulo disse há quase dois mil anos “quem cometer injustiça receberá de volta a injustiça, e não haverá exceção para ninguém” (Cl 3.25-NVI).
Recomendações Finais (4.2-6)
“Dediquem-se à oração, estejam alerta e sejam agradecidos. Ao mesmo tempo, orem também por nós, para que Deus abra uma porta para a nossa mensagem, a fim de que possamos proclamar o mistério de Cristo, pelo qual estou preso. Orem para que eu possa manifestá-lo abertamente, como me cumpre fazê-lo. Sejam sábios no procedimento para com os de fora; aproveitem ao máximo todas as oportunidades. O seu falar seja sempre agradável e temperado com sal, para que saibam como responder a cada um”.
Chegamos ao final da carta. Quero destacar quatro imperativos finais que Paulo pede àquela igreja e creio que pode ser estendidos de forma análoga aos dias atuais. Em primeiro lugar, ele pede dedicação à oração (v2). Em segundo lugar, ele pede sabedoria aos cristãos nos procedimentos para com os de fora (v5). Em terceiro lugar, ele pede para se aproveitar ao máximo as oportunidades. Quarto lugar, ele pede para se ter uma fala agradável e temperada com sal.
Para hoje apenas vou destacar a primeira recomendação imperativa, a oração – “dediquem-se à oração”. É o mesmo que “orai sem cessar, ou continuamente” (Tess 5.17). Também em Efésios 6.18 “Orai em todo tempo com toda a oração e súplica no Espírito. Vigiai nisto com toda a perseverança e súplica por todos os santos”. Jesus Cristo no Getsêmani (Mateus 26.37b-38), em seu momento de agonia mais profunda falou aos seus discípulos e amigos “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal.”. Ele fez a oração mais sincera que conhecemos e por três vezes ele diz: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como Tu queres”. Sabemos que o desfecho foi como Deus havia planejado e não como Jesus desejava em sua humanidade.
A morte de cruz para redimir, para remir/perdão e para reconciliar aqueles que creem no perdão dos pecados e na providência de Divina. Outra coisa importante que está ligada ao espírito da oração é o “estejam alerta e sejam agradecidos”. No monte das Oliveiras Jesus expressa sua humanidade em angústia e espera contar também com os seus discípulos quando diz: “Fiquem aqui e vigiem comigo”. Paulo pede que os cristãos de Colossos também orem continuamente e mantenham-se vigilantes.
Os discípulos no Monte caíram na primeira tentação. Não vigiar e orar. Entregaram-se ao cansaço e ao sono enquanto o Mestre estava sendo entregue à morte.
A perícope 4.7 a 18 são saudações finais e de reconhecimento da reciprocidade a igreja do Senhor Jesus Cristo presa por causa do evangelho. Quantos de nós suportaríamos viver na situação em que o apostolo Paulo vivia. Quantos de nós suportaríamos apoiar um apóstolo preso. Quantos de nós suportaríamos estar presos como cooperadores do evangelho. Destaco nesse corpo vivo e orgânico as pessoas que Paulo destacou (cl 4.10-17).