SELMA E OS CINQUENTA TONS DE CINZA
No sábado 21 de fevereiro, aproveitando o fim do horário de verão, fui ao Shopping Pier 21, com minha esposa, assistir o filme “Selma – Uma luta pela igualdade”, de Ava DuVernay. Trata-se de um excelente filme que resgata uma página recente e ainda atual da história norte-americana, precisamente a luta pelo direito constitucional dos negros de votarem e serem votados no Estado do Alabama. Saí leve e emocionado diante do exemplo moral e espiritual de Martin Luther King Jr interpretado magistralmente pelo ator David Oyelowo. Luther King era um líder que não precisava falar, e fava muito bem, para ser ouvido. Bastava um gesto seu para comunicar tudo.
Um pensamento, porém, perturbou-me: Apenas um cinema de Brasília estava passando o filme em uma única sessão depois das 22 horas, enquanto o filme “Cinquenta tons de cinza” está sendo exibido em 33 telas de cinemas em várias sessões com salas lotadas, principalmente de mulheres. Externei o pensamento a minha mulher e lamentei a alienação da sociedade, inclusive da Academia de Hollywood que deveria ter valorizado mais “Selma” no Oscar 2015 devido a sua atualidade para sociedade americana e para o mundo e porque é um excelente filme. O prêmio de melhor música foi pouco.
No caminho de volta pra casa, de carro, cumprimentei a mim mesmo por ter vivido minha adolescência e juventude numa época de muitos exemplos dignos de imitação. No Brasil, Francisco Julião, Padre Melo, Miguel Araes, Brizola; e no mundo Gandhi, Mandela, Madre Tereza de Calcutá, Che Guevara, Fidel Castro e, para mim, especialmente Martin Luther King Jr. Depois rememorei o filme lembrando das pressões políticas do Presidente Lindon Jonhson, hábil e astuto político que gostaria de ter o Dr. King como aliado para controlar os negros e, para tanto, tentou manipulá-lo várias vezes sem sucesso. A perseguição policial era intolerável. O maquiavélico Edgard Hoover do FBI o monitorava dia e noite tentando desmantelar sua família com acusações torpes, e isso como o aval da Casa Branca. Lembrei-me quando a Polícia Federal do Brasil era também era usada para perseguir adversário do governo em passado recente. A polícia estadual do Alabama era violenta na repressão às manifestações públicas dos negros, e ainda havia a ação odiosa da Ku Klux Klan matando inocentes em atentados terroristas. Líderes religiosos brancos e alguns negros o acusavam de extremista. No meio da liderança negra havia divisões, sendo a maior a de Malcom X, assassinado há cinquenta anos, que achava que Marther Luther King tinha uma atitude servil em relação aos brancos com sua opção pela não violência. Em Selma, apesar da população negra ser mais de 60%, poucos negros votavam. O preconceito racial no Alabama era apoiado pelo então Governador George Wallace que temia a força negra nas votações. O equilíbrio, a fé, e a liderança de Luther King prevaleceram. Ele havia nascido para tal missão e para tanto se preparou. O Presidente Lindon Jonhson, diante da pressão crescente da sociedade com o êxito da Marcha sobre Capital do Alabama, enviou ao Congresso a mensagem com a Lei dos Direitos Civis, um março na história norte americana.
O filme é de uma relevância imensa para o Brasil onde o preconceito racial é forte, embora mascarado; onde minorias excluídas são massacradas e mulheres violentadas e espancadas; e onde os direitos humanos básicos são desrespeitado por uma sistema político, econômico e religioso iníquo. Como explicar então a opção de milhares pelo filme “Cinquenta tons de cinza?” Pura alienação política de uma sociedade onde as mulheres são desvalorizadas? Recentemente o governo proibiu a entrada no Brasil de um palestrante internacional que ensinava aos homens como dominar as mulheres porque elas organizadas politicamente reclamaram. Como justificar as técnicas de dominação masculina no livro e no filme e a adesão das mulheres, muitas delas achando o filme leve demais?
Sem nenhum preconceito sexual e moralista, acho que o que me inquietou é motivo de uma reflexão profunda das mulheres que sustentam uma indústria de sexo contra elas mesmas e se omitem na luta pela plena liberdade feminina que consiste no engajamento pelas grandes causas humanas como a da igualdade de todas as pessoas sem distinção de raça, sexo, religião e nacionalidade.
Brasília, 24 de fevereiro de 2015