Dois Pedidos
Sermões sobre a oração: D O I S P E D I D O S – Lucas 22:39-46 (v. 42)
“Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo não se faça a minha vontade, e sim a tua”.
Pastor Julio Borges Filho
INTRODUÇÃO:
– Lucas 11:1 narra Jesus orando e os discípulos observando. Acho que o sentimento deles diante da intimidade de Jesus com o Pai era de orfandade. Tendo sido chamados para serem filhos, tinham vivido até então como órfãos. Quando Jesus terminou de orar, um dos discípulos interpretou o pedido de todos: “Senhor, ensina-nos a orar…” Quando optamos por seguir a Cristo somos matriculados na Escola da Oração e nunca recebemos diploma, isto é, a conclusão do curso. Somos apenas aprendizes. Nosso desafio é não orar como os fariseus por mera ostentação, nem como os gentios com vãs repetições. Eu estou nesta escola já há algumas décadas, e hoje quero falar sobre um aspecto da oração: nossas petições.
– Somos pidões. Parecemo-nos com o filho pródigo da parábola de Jesus que pede ao pai: “Pai, dá-me…” Mas nossos pedidos se resumem em apenas duas classificações: O que pedimos para nossa satisfação própria, e o pedido para que Deus cuide de nós a seu modo. No primeiro caso estamos no comando do que pensamos precisar para sermos felizes; no segundo Deus está no comando e pedimos a ele, não o que achamos, mas o que Ele acha.
– Analisemos estes dois tipos de pedidos à luz da oração de Jesus no Getsêmani. O contexto é dramático: a agonia de Jesus… o peso do mundo todo estava sobre ele e seu suor de transformou em gotas de sangue caindo na terra. O Senhor Jesus apresenta ao Pai dois pedidos: o primeiro para poupá-lo, se possível, do cálice amargo, e o segundo para que a vontade do Pai se cumprisse em sua vida.
- NOSSOS PEDIDOS – “Pai, se queres, passa de mim este cálice…”
- São egoístas – É legítimo pedir o melhor para nós e para as pessoas que nos são caras. Não queremos sofrer e não queremos que nossos queridos sofram. Queremos viver sem problemas e limitações. Sim, devemos amar a nós mesmos e também o nosso próximo. Tanto isso é verdade que Jesus pediu que, se fosse possível, o cálice amargo passasse. Mas é ilegítimo pedir pensando apenas nos prazeres passageiros com nos advertiu Tiago, o irmão do Senhor: “Pedis e não recebeis porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres” – Tiago 4:3. Mas, às vezes mesmo assim, de tanto pedir, o Pai dá como fez com o filho mais novo na Parábola do Filho Pródigo. A força de nossas petições é imensa. W. C. Taylor, um dos maiores e mais cultos missionário batistas norte americanos no Brasil. Ele foi chamado para ser missionário no Brasil aos vinte anos, terminou o seminário aos 25, e solicitou à Junta de Richmon o seu ingresso como missionário no Brasil. A Junta achou que ele era muito jovem. Ele insistiu anos depois, e a Junta disse que ele era solteiro e precisava casar-se. Ele se casou, e só aos 40 anos veio ao Brasil, 15 anos depois de sua formatura. Descobriu depois a razão de todos os entraves: a oração de sua mãe pedindo a Deus que ele só viesse para o Brasil após a sua morte porque era filho único e era viúva. Não queria ficar só e desamparada. Há casos também em que nós devemos fazer a nossa parte. Exemplo disso é a história jocosa de um velhinho que pedia a Deus para ganhar na loteria. Orou durante meses, e um dia Deus sussurrou ao seu ouvido: “Meu filho, pelo ao menos jogue na loteria. ”
- São urgentes – Era véspera da sexta-feira santa. O filho de Deus não podia esperar por uma resposta. Seu sofrimento era tanto que seu suar se transformou em gotas de sangue. A resposta do Pai foi o anjo que o confortava diante do abandono humano. Nossos pedidos, às vezes, se transformam em clamores, e são legítimos. Deus os ouve, mas há casos que Ele é impedido de nos atender e só pode enviar o seu consolo. Nossa visão limitada. Eu e Gil sangramos na morte de Jusiel, nosso filho. Foram 22 dias de UTI. Visitávamos duas vezes por dia, orávamos e conversávamos com ele. Milhares de pessoas e dezenas de igrejas, até igrejas no exterior, oravam também. Nós orávamos sem cessar, mas ele morreu há mais de 12 anos. Custei um pouco a entender o porque de Deus não ter atendido nossas preces. Aprendi duas coisas: 1) Os filhos não nos pertencem. Pertencem a Deus. E Ele, como pai amoroso, disse: “Meu filho Jusiel, venha para minha casa porque nela você estará infinitamente melhor do que na casa de seus pais terrenos; e 2) Deus, neste mundo onde ainda reina o mal, é limitado pelo mal e por nós mesmos. O tumor do meu filho só foi plenamente revelado na cirurgia. O melhor neurocirurgião do Hospital de Base de Brasília constatou que o tumor começava na base do cérebro e se estendia até o centro. Foi uma cirurgia de 10 horas para retirar a metade do tumor, e depois outra de 3 horas para a retirada de um coágulo. Veio pneumonia, complicações e, finalmente, falência múltipla dos órgãos, e ele morreu. Deus me consolou com um sonho em que eu e Gil peregrinávamos por hospitais levando-o numa cadeira de rodas. Meu filho não merecia isso, logo ele que era amante da alegria e das festas. Juliene teve também um sonho em que ele lhe disse: “Preferi a morte, e estou bem. Se sobrevivesse iria dar muito trabalho para papai e para mamãe. ” Depois tivemos visões dele na glória e muito feliz.
- São humanos – Aqui a humanidade de Jesus se revela plenamente. Ele sofre profundamente, sua agonia é infinita. O peso da humanidade inteira desaba sobre ele porque ele “levou sobre si as nossas dores e enfermidades. ” É na angústia e tristeza, mais que na alegria e festa, que nossa humanidade se acentua. Somos limitados e frágeis. Vemos limitadamente e não queremos sofrer. É por isso que Paulo nos recomenda: “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas as vossas petições diante de Deus…” – Fl 4:6. Assim não nos cansemos de pedir, mesmo egoisticamente. “Buscar, buscar, buscar até certeza ter”, cantava o saudoso pastor Hercílio Arandas. Vejam que linda a oração de um soldado norte americano que, aos 24 anos ficou paralítico: “Não recebi nada do que pedi. Pedi a Deus para ser forte e Ele me fez fraco para conservar-me humilde. Pedi a Deus que me desse saúde para realizar grandes empreendimentos, e Ele deu-me a doença para compreendê-Lo melhor. Pedi a Deus a riqueza para tudo possuir, e Ele deixou-me pobre para não ser egoísta. Pedi a Deus poder para que os homens precisassem de mim, e Ele me deu humildade para que dEle precisasse. Pedi a Deus tudo para gozar a vida, e Ele meu deu a vida para gozar de tudo. Senhor, não recebi nada do que pedi, mas deste-me tudo o que eu precisava. E, quase contra a minha vontade, as preces que não fiz foram ouvidas. Louvado sejas, ó Meu Deus! Entre todos os homens ninguém tem mais do que eu.”
- OS PEDIDOS SEGUNDO A VONTADE DE DEUS – “Contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua.”
- São bons – A vontade de Deus é a única boa, agradável e perfeita. Quando oramos o Pai nosso, pedimos que esta vontade santa seja real para nós e para o mundo. A busca de sintonia com Deus harmoniza nossa vida. Como equilibrar o externo e real com o interno é nosso desafio de vida. Quando todas as nossas ações se transformam em devoção, e quando nossa devoção se transforma em ação, estamos equilibrados.
- São duráveis – O plano de Deus para nós é perfeito e eterno. Ele nos vê à luz do seu Filho Jesus Cristo. Sermos semelhantes a Cristo é o objetivo da vida cristã. É por este objetivo que o Espírito Santo intercede por nós com gemidos inexprimíveis porque não sabemos orar como convém (Rm 8:26). É também em busca deste alvo supremo que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28). E eu sublinho: todas as coisas, e acrescento: especialmente as ruins. Nós aprendemos mais com as coisas ruins do que com as boas.
A revista Science celebrou seu 125º aniversário com 125 questões que a ciência ainda não conseguiu responder. Eis as duas primeiras: 1) De que é feito o universo? 2) Qual a base biológica da consciência? O enigma é imenso: Só 0,01% do cosmos contém átomos que formam todas as estelas e galáxias visíveis. Cerca de 4% do cosmos se reúnem nos átomos invisíveis restantes como átomos de poeira interestelar e átomos de hélio e hidrogênio livre. Os 96% restantes parecem ser não atômicos e desobedecem as regras básicas relativas às leis da gravidade e da velocidade da luz. Em resumo: quase nada sabemos. Nada, portanto de arrogância científica ou religiosa. Temos é de nos humilhar diante da potente mão de Deus que tudo fez maravilhosamente bem.
- São humanos e divinos – Assim como Jesus era humano e divino, homem e Deus, Deus em Cristo se une à nossa frágil humanidade. Somos templo do Espírito Santo. Deus habita em nós. Quando Jesus, antes da se sua crucificação disse aos apóstolos que se manifestaria a eles, Judas Tadeu lhe perguntou: “Como isso pode acontecer?” A resposta magnífica do Senhor foi esta: “Se alguém me ama amará a minha palavra e o meu Pai o amará. E viremos para ele e faremos nele morada” – João 14:23. Somos moradas de Deus. Portanto, a verdadeira oração é a que Deus faz por nós através do Espírito. É Ele que “efetua em vós o querer e o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fl. 2:13).
CONCLUSÃO
- Deus é tão maravilhoso que atende alguns dos nossos egoístas pedidos e pedimos com fé. Ilustração: A oração de Juliene aos 5 anos de idade. Morávamos em Teresina-PI e eu passei com Gil e os quatro filhos na concessionária Volkswagen e olhamos para uma Variant, um carrão familiar da época. Os meninos ficaram animados, mas principalmente Juliene que insistia para eu comprar o carro. Eu lhe disse que primeiro teria de comprar o piano da mamãe, e só depois o carro. À noitinha, antes de dormir, ela orou: “Papai do céu, mostre logo a papai o piano de mamãe para a gente poder comprar o carro novo”. Acho que ele tinha na época uns sete anos. Era uma sexta-feira. No sábado seguinte tinha uma reunião de pastores com café da manhã na casa de um missionário americano. Cheguei um pouco antes da reunião, e o missionário me mostrou a sua casa, e logo na sala de visita, mostrou-me um piano pequeno e disse: “Estamos viajando daqui a três meses para os EUA e queremos vender o piano. Soube que sua esposa é pianista. Quer comprá-lo?” Perguntei o preço e estava barato. Perguntei se ele poderia fazer em três parcelas e ele concordou. Comprei o piano e logo depois, para a alegria de minha filha, comprei o carro.
- Mas quando pedimos segundo a vontade de Deus, afirma João (1 Jo 4:14), Ele nos ouve, e temos certeza da resposta positiva. Já podemos agradecer antecipadamente. Assim as palavras extraordinárias de Jesus têm o verdadeiro sentido: podemos transportar montanhas e a certeza dos pedidos atendidos (Mc 11:22-24). É a primazia do espírito sobre a matéria. É que estamos em harmonia com a vontade de Deus. Lembro-me do irmão Jackson, um negro presbiteriano que frequentou nossa igreja por uns meses. Ele só pediu a Deus uma coisa uma vez. Entregava e esquecia o pedido. Era uma fé robusta. Orar, portanto é preciso. Que fique conosco o imperativo de Jesus no Getsêmani: “Por que estais dormindo? Levantai-vos e orai para que não entreis em tentação. ” A tentação é a tentação da acomodação: dormir quando se devia estar acordado e vigilante.
– Resumo poético:
OS MEUS E OS TEUS PEDIDOS
Pai Santo, eis aqui os meus pedidos
na plena certeza de serem atendidos:
Que me cures de todos os meus males,
que eu fique firme e nunca me cale,
Que protejas e abençoes minha família,
e que meus filhos não saiam da trilha.
Os Teus pedidos eu os conheço bem.
São pura graça e eu sei que não mereço:
Que eu pareça com o Teu Filho amado,
que ama a todos, mesmo se for odiado,
e que faça o bem sem olhar a quem.
Que, pois, eu viva aqui na terra contigo,
que na angústia Tu sejas meu abrigo,
Agora e na hora da minha morte. Amém!…