OS TEMPOS E AS DIMENSÕES DA CRUZ DE CRISTO
OS TEMPOS E AS DIMENSÕES DA CRUZ DE CRISTO
1 Coríntios 11:17-34
Pastor Julio Borges filho
A Ceia do Senhor é o centro do culto cristão porque recorda-nos a morte de Jesus Cristo na cruz do Calvário que é o coração do Evangelho. Daí a Páscoa ser comemorada sempre nas igrejas todas as vezes que a celebramos. Tomar consciência da importância da morte de Cristo é essencial à nossa fé. Sem isso perderíamos o rumo como a Igreja de Corinto. Paulo afirma que “Cristo é a nossa Páscoa…” – 5:7. Daí a cruz de Cristo ser o maior símbolo do Cristianismo. É ela que dar coesão ao os livros do NT.
A Igreja de Corinto estava profundamente dividida em grupos isolados que representam as grandes divisões da Igreja (Hans Kung): Havia o partido de Pedro: “Eu sou de Cefas”. É a Igreja Católica Apostólica Romana para quem Pedro é o chefe da Igreja. O partido de Paulo: “Eu sou de Paulo” representam as igrejas protestantes para as quais a teologia de Paulo de salvação pela fé é essencial. O partido de Apolo: “Eu sou de Apolo” que representa os ortodoxos que se inspiram na filosofia grega, E, finalmente, o partido de Cristo: “Eu sou de Cristo” que representa as igrejas livres, mas o Cristo aqui é reduzido a um partido contra os outros – 1 Co 12 e 13. Corinto era um porto grego para onde convergiam culturas e religiões do mundo. .A igreja de Corinto, ainda influenciada pelo modo de vida da cidade, também estava dividida socialmente: os mais ricos (egoístas) e os mais pobres (discriminados). Perdeu-se na celebração da Ceia afastando-se do significado profundo do memorial. Perdeu os tempos e as dimensões do Calvário.
O Apóstolo Paulo coloca, escrevendo aos coríntios, a verdadeira dimensão da fé cristã restabelecendo os tempos e as dimensões da cruz de Cristo.
OS TEMPOS
O passado
“O Senhor Jesus na noite em que foi traído, tomou o pão…” – vrs. 23-26. Ninguém pode viver sem raízes. São elas que nos traz a identidade porque sabemos de onde vimos. Recordar e reviver sempre a morte de Jesus na cruz é relembrar de uma memória perigosa e vicária. Ele morreu como um subversivo e criminoso vulgar, entre dois ladrões, em nosso lugar e carregando sobre si o pecado do mundo. Igreja sem cruz é igreja perdida sem identidade. Sem a cruz não haveria salvação. Nós somos o misto de Barrabás e Simão Cirineu: fomos salvos da cruz, mas somos obrigados a carrega-la. Gosto daquele belo hino “Estavas lá”. Sim, estávamos lá na concepção hebraica da Páscoa. O judeu, quando celebrava a Páscoa, se sentia fazendo parte da saída do Egito e participantes da jornada pelo deserto. Poderíamos ter sido Judas, Pedro, ou um dos Apóstolos… Quem sabe um Caifás ou membro do Sinédrio… Até Pôncio Pilatos ou sua boa esposa… Ou as santas mulheres ou espectadores do espetáculo do Calvário… José de Arimatéia ou um dos guardas do sepulcro.
Quais as outras opções sem a cruz de Cristo para a salvação do mundo? Seria através do mandamento, da lei? Isso seria a Palavra transformada em moralidade; Provando que o ódio é mau e que o amor é bom? Seria a Palavra transformada em filosofia; criando leis e mandamentos para a vida comunitária? Seria a Palavra transformada em instituição. Tudo isso seria a Palavra transformada em palavras. Uma dissertação sobre a beleza do amor nos deixaria frios. Uma exortação ao amor não nos comoveria. Uma ordem para amar nos deixaria insubmissos. Esta é a proposta do Islamismo: A Palavra se fez livro (O Alcorão). A proposta cristã é outra: A Palavra se fez carne… Por isso, afirma o Apóstolo logo no primeiro capítulo da primeira carta aos coríntios: “Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus” (…) 1:22 e 23.
A cruz desmascara as estruturas humanas de demoníacas (a humilhação dos principados e potestades – Cl 2:15. Como isso aconteceu? O sistema econômico injusto e explorador foi desmascarado na expulsão dos vendilhões do templo… O sistema religiosa ruiu diante da prisão e julgamento irregular de Jesus… Os sistemas político e judiciário ficou nu diante do julgamento político de Pilatos e Herodes… O melhor em matéria de religião e poder (judeus e romanos) condenaram Jesus. Por isso devemos desconfiar das demonstrações de poder e justiça dos homens. A verdade deles é a mentira repetida, e a justiça é a justiça que convém. Jesus pagou um alto preço, diz Paulo, “não vos torneis escravos de homens” – 7:13. “Portanto, não julgueis prematuramente, antes que venha o Senhor. Ele porá às claras o que está oculto nas trevas e manifestará os desígnios dos corações” – 4:5.
O presente
O passado se torna presente quando celebramos a Ceia do Senhor. É o chamado tempo intermediário entre o passado e o futuro. É o tempo da comunhão com o corpo e o sangue de Jesus Cristo e com os irmãos – é a Nova Aliança no sangue do Senhor. Aqui somos todos filhos de Deus em Cristo e não há distinção de raça, nacionalidade, cultural, econômica, sexual e social. É a maquete de uma nova humanidade em Cristo Jesus. Somos famintos e sedentes da carne e de sangue de Jesus Cristo. E mais: a mais negra culpa encontra aqui o seu perdão.
O futuro
“Até que Ele venha.”. Ele é a nossa esperança. Enquanto sonhamos com um futuro sem divisões e de plena justiça, sem males e mortes, lutamos no presente para isso se concretize na vida da comunidade cristã e no mundo através de ações de amor e contra toda sorte de divisões. Podemos cantar com alegria: “Porque Ele viver posso crer no amanhã…” “Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, as coisas presentes e as futuras, tudo é vosso, vós sois de Cristo e Cristo de Deus” – 3:21.
AS DIMENSÕES
A verticalidade: O amor do Pai
A verticalidade do Pai nos diz que Deus é um ser transcendente, infinitamente acima de nós. Diante dEle nossa única atitude é a da adoração. É necessário olharmos para cima para experimentar a beleza, a grandeza e o mistério do Pai que nos ama. Ele é louco por nós como expressa Paulo: A loucura de Deus e a cruz de Cristo. No filme A Cabana há uma cena belíssima. Quando o Pai, representado por uma mulher negra, é acusado pelo pai que perdeu a filhinha, de ter abandonado até seu Filho, Ela exibiu as suas mãos com as marcas dos cravos. Eu compreendi isso, que Deus sofre por nós, quando meu filho Julinho, ainda criança, foi extrair um tumor no hospital de Base em Brasília. Não deram anestesia e o tumor foi exprimido cru e eu obrigado a segurar meu filho pelos braços. Ah, meu sofrimento foi terrível. Parecia que minha dor era maior que a dele.
A horizontalidade: A encarnação do Filho
A horizontalidade do Filho nos fala da encarnação de Deus, do Deus conosco, Jesus Cristo. NEle Deus e o homem se encontram na terra. Seus eventos salvíficos – a encarnação, a morte na cruz, a ressurreição, ascensão, o pentecostes, e a segunda vinda – são decisivos para nossa fé. A confissão de sua humanidade e de sua divindade é uma característica e o mistério do cristianismo. A horizontalidade do Filho nos convida para nossa missão no mundo: a construção de uma nova humanidade à semelhança dEle. Olhar para os lados é fundamental, inclusive para a criação que geme em expectativa pela manifestação dos filhos de Deus – Rm 8:19-22. “Nós temos o pensamento de Cristo” – 2:15.
A profundidade: Deus em nós (O Espírito)
“Examine-se…” A profundidade do Espírito Santo, o Deus em nós, faz-nos templos santos, e resgata a dimensão perdida da religião, a dimensão de profundidade como muito bem salientou Paul Tillich. É a ação do Espírito em nós que nos faz orar bem, que nos dar o poder de testemunhar de Cristo, e que nos torna mais parecidos com Ele. Olhar para dentro de nós mesmos é essencial, e isso à luz da cruz de Cristo. Ele assumiu a nossa dívida encravando-a na cruz garantindo a nossa cura completa. É a base de nossa cura espiritual… Somos convidados como Pedro à conversão do amor porque O Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundezas de Deus” – 2:10.
Na transfiguração de Jesus diante de três discípulos o assunto central de Jesus com Moisés e Elias em glória era a sua morte e ressurreição. Portanto, a cruz de Cristo é o assunto central da Bíblia e o centro da revelação de Deus na história humana. Ela é a chave de interpretação da história humana e da essência de um Deus de amor que está apaixonado por nós pecadores.
Nos Alpes italianos, perto de Gemi, há uma cruz de mármore branca com a inscrição: SÓ JESUS. É a história de um casal que perdeu sua única filha esquiando… Só na cruz de Cristo o nosso amor poder ser redimido. Somente nela é que o homem sente plenamente o que o separa de Deus; mas é nesta mesma cruz, e tão somente nela, que o homem percebe não estar mais separado de Deus (Emil Brunner). Portanto, olhemos firmemente para o Autor e Consumador de nossa fé (Hebreus 2:10 e 12:2) para sermos curados do egoísmo, da ambição, da vaidade, do ódio e do pecado que nos adoecem, e vivamos a plenitude do amor de Deus revelando em Cristo Jesus. Vivamos os tempos e as dimensões do Calvário: O passado… o presente… e o futuro; a verticalidade… a horizontalidade… e a profundidade… Só assim seremos parecidos com Jesus.
Lembrei-me do meu amigo, Pastor Nivaldo Ferreira, celebrando a Ceia do Senhor aqui mesmo nesta sala ICB e dizendo emocionado: “Há 30 anos que não celebro a Ceia do Senhor…” E, com a bela voz que tem, cantou o belo hino cujo refrão é: “Cristo satisfaz, Cristo satisfaz,
Satisfaz completamente.
O meu alvo sem igual
Que me leva ao pé da cruz
É servir e honrar meu bom Jesus”.