“E NÃO NOS DEIXES CAIR EM TENTAÇÃO”
“E NÃO NOS DEIXES CAIR EM TENTAÇÃO” – Mateus 6:13ª
Pastor Julio Borges Filho
A sexta petição do Pai Nosso tem duas partes: “E não nos deixes cair em tentação; e “mas livra-nos do mal”, e ambas nos colocam a atitude de humildade sem a qual não há verdadeira oração. Neste sermão cuidaremos da primeira parte, da tentação. É a primeira petição negativa, portanto, diferente das outras porque vivemos num mundo perigoso onde a tentação existe e onde o mal ainda reina e precisamos da proteção divina. Esta petição dar a impressão de que é Deus quem tenta, mas Tiago corrige isso dizendo: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e Ele mesmo a ninguém tenta”- Tg 1:13.
Cuidaremos aqui da primeira parte, da tentação, deixando a segunda sobre o mal para depois. Aproximemos dela com humildade porque o orgulho humano é inimigo da graça de Deus. O orgulhoso assemelha àquele macaco vaidoso que viu um boneco de cera e pensou que estava falando mal dele. Foi lá de deu um murro com a direita no boneco e ficou com o braço grudado. Atacou com a esquerda, e ficou grudado ainda mais. Meteu o joelho e grudou-se mais ainda e, finalmente, o outro joelho e ficou todo preso. A humildade é essencial, isto é, o reconhecimento de nossas fraquezas e finitude para poder nos apropriar dos recursos e proteção divina.
TODOS SOMOS TENTADOS
O sentido da petição
Na época de Jesus havia uma oração antiga muito comum nas famílias judaicas. Provavelmente Jesus a aprendeu quando criança. Lembro-me que minha mãe me ensinou uma oração para a hora de dormir à noite. Ajoelhava-me e dizia: “Agora me deito para dormir, guarda-me Deus em seu amor. Se eu morrer sem acordar, receba minha alma, ó Senhor”. Orava e dormia seguro. A oração judaica referida acima dizia: “Não conduzas meu pé ao poder do pecado, e não me leves ao poder da iniquidade, nem ao poder da tentação, e nem ao poder da infâmia”. O sentido aqui é de Deus não permitir que caiamos quando tentados: “Não permitas que eu caia no poder do pecado, da iniquidade, da tentação e da infâmia”. Nossas traduções se completam: “Não nos deixes cair em tentação” ou “Não nos deixes sucumbir à tentação”. Precisamos da proteção de Deus quando somos tentados.
O objetivo desta petição é, portanto, sermos protegidos na tentação e não o sermos preservados da tentação. Segundo uma tradição antiga Jesus teria dito na sua última noite, antes da oração do Getsêmane: “Ninguém pode alcançar o Reino do céu sem ter passado por tentação.” E logo após a oração, segundo os evangelhos, disse aos discípulos: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação.” Busca-se nesta petição, não a ausência da tentação, mas vitória sobre a tentação. Há um hino do Cantor Cristão, um dos meus preferidos, o 294, que ilustra muito bem isso. A antiga letra dizia na última estrofe: “Não tendo tentação contente viverei”. Felizmente corrigiram para“Vencendo a tentação contente viverei.”
O que significa o termo “tentação”
Não significa aqui as pequenas tentações diárias e humanas como expressas em Tiago 1:14 e 15 (“Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz ao pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte”) e em 1 Coríntios 10:13 (“Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das forças; pelo contrário, juntamente com a tentação proverá o livramento, de sorte que a possais suportar”) -, mas a grande provação final: a revelação do mistério do mal, a manifestação do Anticristo, a abominação da desolação, a última perseguição e verdadeira triagem dos santos por obra de pseudoprofetas e falsos messias, em suma, a queda. A tentação do fim é a apostasia. Quem poderá escapar? A súplica seria então: “Pai, livra-nos da apostasia.” A tradução de Mateus entendeu assim, tanto que completa: “Mas livra-nos do mal” ou “Livra-nos do Maligno”.
A consistência desta petição está relacionada a toda a oração do Pai Nosso. Jesus convidou seus discípulos a implorar esta consumação em que o nome de Deus é santificado e seu Reino é estabelecido. Exorta-os a fazer descer, desde já, pela oração, em suas vidas as graças do tempo da salvação plena. Assim afasta-os de todo falso entusiasmo reconduzindo-os, por meio desta petição, as ameaças à sua existência. É um grito e brado potente do fiel atribulado: “Ouve, ó Pai, ao menos esta súplica: não deixes que Te abandonemos.” Por isso este pedido não tem paralelo no AT.
COMO VENCER A TENTAÇÃO
Sendo tentados em Jesus Cristo e não em Adão
Em Adão, caímos; em Cristo, vencemos. A Bíblia registra apenas duas tentações: a dos nossos primeiros pais e a de Jesus Cristo. A tentação de Adão e Eva (Gênesis 3) provocou a queda da humanidade, e na tentação de Jesus (Mateus 4:4-11, Marcos 1:12-13 e Lucas 4:1-13), a queda de Satanás. Analisemos rapidamente as duas tentações.
A essência da tentação da serpente a Adão e Eva era semear a desconfiança em Deus provocando neles o desejo de serem igual a Deus. A opção de Adão e Eva, ao caírem na tentação, foi a construção de uma empresa humana sem Deus. Três lições aprendemos aqui como bem salientou Dietrich Bonhoeffer em seu livro “Tentação”. A primeira é a que o tentador sempre está presente onde há inocência. E a inocência consiste no apego à Palavra de Deus. Como ele penetrou no Jardim do Éden, acho que foi com permissão de Deus. Assim Deus cria a circunstância da tentação para criar a liberdade humana. A segunda lição é que a voz do tentador oculta sua origem. Apresenta-se na forma sagaz da serpente, uma criatura de Deus. E a terceira é que o tentador torna-se intérprete da Palavra de Deus. Aproxima-se da mulher e pergunta: “É assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim?” Eva responde corrigindo: “Dos frutos das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: dele não comereis para que não morrais. E aí vem o ataque final da serpente: “É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.” Esta foi a tentação total porque atingiu o paladar, os olhos e a mente. Eis o texto sagrado: “Vendo a mulher que a árvores era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido e ele comeu” – Gênesis 3:6. E isso provocou a queda do gênero humano afetando a natureza e a terra e, ainda hoje, vivemos as consequências da primeira tentação.
A tentação de Jesus foi uma só: afastá-lo do Projeto do Pai e aproximá-lo do projeto de Satanás (a econômica, a religiosa, e a política são apenas estratégias para alcançar um fim). “O fim justifica os meios”, defende o diabo. Somos tentados a nos afastar do projeto de Deus em Cristo. Jesus nasceu sob o signo maligno: “é assim que Deus disse…?” Nasceu de mulher, sob o pecado e sob a lei, como salientou o Apóstolo Paulo escrevendo aos gálatas, e “foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” – Hebreus 4:15. E é interessante salientar que, a após o seu batismo onde ele foi reconhecido como o Filho de Deus, o Espírito Santo o conduziu ao deserto a fim de ser tentado pelo diabo. Bonhoeffer afirma que as três tentações podem ser assim definidas. A primeira foi a tentação na carne. Após quarenta dias sem comer e beber, Jesus teve fome revelando assim sua humanidade ao assumir a nossa carne. Ele é o Novo Adão que agora é tentado. “Se és o filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães”. A carne detesta sofrer. Em outras palavras, usa teu poder divino para saciar tua fome e não sofrer. Não precisas ir em direção à morte cruel, a cruz. Jesus cita a Palavra de Deus: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”. Vem o segundo assalto, e agora o diabo usa a Palavra também levando à Cidade Santa no pináculo do templo: “Se és o filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenarás a teu respeito para que te guardem”. ´´E a tentação espiritual, a tentação na fé, tanto que a resposta firme de Jesus foi novamente citando a Escritura Sagrada: “Não tentarás o Senhor, teu Deus”. Tentar a Deus não é fé, é presunção. E logo depois vem a tentação total do diabo sem nenhuma máscara. “Levou-o a um monte alto e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: tudo isso te darei se prostrado me adorares.” Então Jesus ordena-lhe: “Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto.” Retirou-se Satanás até um momento oportuno, e então os anjos serviram a Jesus. Durante todo o ministério de Jesus o inimigo usou Pedro para afastá-lo da cruz, a multidão saciada que queria proclamá-lo rei, e até mesmo um ladrão na cruz usando as famosas palavras: “Se tu és o filho de Deus desce agora da cruz, e salva a ti mesmo e a nós.” Jesus permaneceu firme na vontade do Pai assegurando-nos uma vitória total e a redenção da humanidade. Na cruz a serpente feriu seu calcanhar, mas na ressurreição Jesus esmagou a cabeça da serpente, a morte (Gn 3:15).
Como ser tentado em Cristo e não em Adão? Através da oração: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação”. Na hora do poder das trevas os apóstolos dormiam e por isso traíram a Cristo. A Pedro Jesus avisou: “Simão, Simão, eis que Satanás me reclamou para te peneirar como o trigo! Eu. Porém, roguei por ti para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece teus irmãos” – Lc 22:31-32. A resposta de Pedro foi na carne. Ele confiava si mesmo: “Senhor, estou pronto a ir contigo, tanto para prisão como para a morte” – Lc. 22:33. Tanto que Jesus lhe disse: “afirmo-te, Pedro, que, hoje, três vezes me negarás que me conheces, antes que o galo cante” – Lc 22:33. E conhecemos a história da negação de Pedro… e conhecemos a sua conversão ao amor. Ser tentado em Cristo é optar sempre, e em quaisquer circunstâncias, pelo caminho da fé, da esperança e do amor. Fora disso é o projeto do Maligno.
O tentador e a tentação
O tentador é Satanás, nosso adversário e adversário de Deus – Is 14:12-14. É também chamado de Diabo (do latim diabolo) porque é aquele que divide. O texto de Isaias ajuda-nos a diagnosticar a essência da rebelião de Lucifer: querer ser semelhante a Deus usurpando o seu trono e o seu poder. Jesus disse que ele era o príncipe deste mundo controlando os sistemas mundanos. O Espírito Santo nos ajuda a vencê-lo em Cristo. A promessa já cumprida de Jesus é clara: “Quando ele vier convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: do pecado porque não creem em mim; da justiça porque vou para meu pai e não me vereis mais; do juízo porque o príncipe deste mundo já está julgado” – Jo 16:8-11.
O momento da tentação é um momento de fraqueza, de divisão e de solidão, quando nos julgamos impotentes. Parece que Deus nos abandonou e o tentador oferece uma saída… É nesse momento que precisamos da proteção do Pai. Seus anjos estão a caminho para nos servir e nos confortar após a batalha.
Quando oramos “Não nos deixes…” confessamos a nossa humildade e fraqueza adâmicas e pedimos ajuda e proteção ao Pai celeste na hora da tentação.
Quando dizemos no mais profunda de nossa alma Não nos deixeis…” fortalecemos nos músculos interiores para enfrentar com integridade a hora da tentação. Vencendo as pequenas tentações (Tiago 1:14) nós nos preparamos para o assalto final.
Quando oramos “Não nos deixes…” sabemos que só em Cristo o Tentador é vencido, e que a vitória sobre a tentação é creditada, não a nós, mas a ação do da Trindade Santa em nós. O Pai quer que sejamos mais do que vencedores em Jesus Cristo, o Filho, e o Espírito Santo nos assiste em nossa fraqueza porque não sabemos orar como convém.