AUTOPSIA: LIXÃO DA ESTRUTURAL
AUTOPSIA: LIXÃO DA ESTRUTURAL
Julio Borges Filho
Assisti emocionado, no domingo 11 de março de 2018, a peça de teatro Autópsia, com direção e dramaturgia de Jonathan Andrade, focalizando no ato 4 da continuação a dura vida dos recicladores e recicladoras do Lixão da Estrutural. Fui a convite de minha esposa, Gislene Macedo, que cuidou da preparação musical. Uma hora e vinte minutos intensos e bem interpretados no palco do auditório 1 do CCBB em Brasília. Tudo inspirado na obra do dramaturgo Plínio Marcos.
Os sete atores (três atores e quatro atrizes) encarnaram o duro trabalho dos recicladores porque foram lá e viveram a realidade desumana deles, e trabalharam num texto coletivo. No auditório estavam algumas mulheres, lideradas por Raquel, personagem da peça, que trabalham no lixão. Dura realidade cercada de lixo, urubus, moscas, ratos, dores, exploração e perigos de toda sorte como estupro, morte, etc. No palco, cercados de lixo, os atores nos impactaram com cenas dramáticas e de dor, sofrimento humano e revolta.
Enquanto assistia recordei-me da Estrutural quando era apenas um pequeno povoado de dois mil habitantes e lugar de desova humana, mas o lixão já estava lá. Nossa igreja, a Igreja Cristã de Brasília, começou um trabalho de organização do povo com ação social e política. Serguem Jessui, na época na Visão Mundial, Alzemira Araújo, assistente social da Unicef, e Elineide (dentista) lideravam o trabalho. Eu fui apelidado, e me orgulhei disso, de Bispo do Lixão. Reunimos as igrejas evangélicas que ali atuavam, cinco na época, e uma irmã da Assembléia de Deus de saudosa memória, Isolete, uma grande mulher, que organizou a Fundação Brasileira de Humanidades. Ajudamos a organização dos moradores em Associação. Hoje a cidade conta com cerca de 30 mil habitantes. Já naquela época atravessadores exploravam os catadores de lixo. Mais tarde, através de uma catadora de lixo chamada Genilda, eu escrevi um manifesto, em nome dos catadores de lixo, que foi distribuído na Câmara Legislativa do DF, na Estrutural e na área reservada para o Parque Burle Max, onde reuniam os catadores de lixo da Asa Norte, para denunciar a ação e o descaso do governo que tratava esse pessoal humilde e lutador também como lixo.
Vendo os atores e atrizes derramando lágrimas no final em seus depoimentos, e as rápidas palavras de Raquel, uma bela e forte mulher, denunciando o governo por tratar os recicladores como escravos no processo de remoção do lixão, pensei comigo: Autópsia está no caminho certo ao expor de forma dramática a dura realidade do povo pobre para incomodar os acomodados. Precisamente esta é a missão dos artistas: ser vanguarda da sociedade. E lembrei-me da dura condenação de Jesus para os perdidos no grande julgamento: “Eu tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me vestistes; achando-me enfermo e preso, não fostes ver-me” – Mateus 25:42 e 43. Jesus, o Senhor, identifica-se com os pobres, excluídos e injustiçados.
Seremos condenados pela nossa omissão e insensibilidade humana.