CRISE DE CREDIBILIDADE (11): NA RELIGIÃO (3)
CRISE DE CREDIBILIDADE (11): NA RELIGIÃO (3)
- O bom e o mau uso da fé na política (2): Os pecados da ambição
Julio Borges Filho
A fé cristã afeta todas as áreas da vida. Não departamentiza a vida entre o que sagrado e o profano. Tudo sobe ao plano sagrado. Não se preocupa apenas com o céu, mas, principalmente, com a terra. A sua oração central é o “Pai Nosso”, que une as coisas de Deus (o seu santo nome, o seu reino, a sua vontade e a sua glória) com as coisas do homem (opção, o perdão das dívidas, os relacionamentos, e a fraqueza diante do mal). Além do mais a fé cristã é essencialmente ética. Tão ética que para ela os meios determinam o fim, assim nos demonstrou o Senhor Jesus que, buscando o fim da redenção humana e do mundo, escolheu o caminho do amor que se põe a serviço recusando as tentações demoníacas do caminho do poder que oprime, da violência das armas e da manipulação religiosa das massas. Portanto, o roubo, a mentira, a esperteza, e a manipulação não se justificam para promover a Causa Santa. Deus é santo e exige santidade do seu povo. Baal/Satanás é que é o deus da imoralidade que tudo permite.
O acelerado crescimento evangélico no Brasil tem provocado um decréscimo de qualidade. Não que a quantidade em si seja um mal. Deus não quer que ninguém se perca. É que tão importante quanto o pescar/evangelizar é o tratar do peixe/discipular. Tão importante quanto a adesão à fé é a conscientização prática da fé. O que se deve procurar na evangelização é sermos semelhantes a Jesus: humanos, amorosos, solidários, abertos, etc. Por causa do crescimento numérico cresce a ambição pelo poder político. Ter um presidente da República evangélico é o sonho de boa parte da liderança evangélica no Brasil. Mas a nossa experiência política recente tem demonstrado que ter um represente evangélico sem a necessária postura ética é contraproducente. A sociedade prefere um político ateu íntegro e comprometido com a promoção da justiça social e do bem comum, a um presidente crente despreparado, alienado da realidade iníqua no nosso país e comprometido com atos corruptos.
A democratização das igrejas e denominações é fundamental. O povo evangélico, se treinado na tomada de decisões em suas comunidades de fé, será terreno fértil para o surgimento de líderes autênticos tanto para a igreja quanto para a sociedade. E mais: jamais será massa de manobra seguindo irrefletidamente o que mandam seus líderes. O sacerdócio de todos os crentes é um princípio essencial da fé cristã. Os dons espirituais básicos, conforme a orientação paulina, são para todos os membros da igreja e é para edificação de todos (Rm 12:3-8). E os dons de ministério, conforme Efésios 4 (apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres) objetivam o aperfeiçoamento dos santos na busca da perfeita humanidade em Jesus Cristo. Em outras palavras, quem quiser ser líder, seja servo de todos (Mc 10:43-44). O dom é para servir e não para mandar ou se servir. Não se justifica, portanto, tanto clericalismo e tanto autoritarismo nas igrejas de Cristo.
A prática da funesta da Teologia da Prosperidade tem trazido muitos malefícios à formação do povo evangélico, especialmente nas igrejas que a adotam. Consequentemente atinge a área política, tirando do político uma visão global da sociedade por torná-lo paroquial e sectário. Vejam os refrãos: “Somos cabeça e não cauda”, “o cristão tem que ser próspero e rico”, “evangélico vota em evangélico”, etc. Tomei um taxi em Maceió e o loquaz taxista criticava pastores que só falavam em dinheiro, e me indagou: “Você conhece algum pastor que não seja rico?” Eu lhe respondi: “Você está falando com um.” Ele ficou desapontado e calou-se. Tomemos, por exemplo a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Há nela muitos aspectos positivos como a valorização do povo simples, uma maior liberdade nos costumes, os templos sempre abertos, o uso dos meios de comunicação, etc. Porém, vê-se claramente nela a existência de um projeto política de poder muito mais do que um projeto eclesiástico. É pentecostal no seu discurso e católica na sua prática. Daí o nome “universal”. Seu projeto assemelha-se ao sonho político do catolicismo medieval. Está se tornando uma igreja clerical poderosa e até é dona de um partido político. Eleger o maior número de parlamentares é estratégico para a IURD, não apenas para defender o seu grande patrimônio e seus direitos, mas também como prova eloquente da teologia da prosperidade. E isso é fundamental para a igreja que arrebanha milhões e arrecada milhões vendendo sucesso em nome de Deus. São as indulgências de hoje. A Rede Record que ser a nova Rede Globo do Brasil. O pior que outras igrejas, diante do sucesso da IURD, seguem seu caminho como segmentos da Assembléia de Deus e as neopentecostais, e termina influenciando algumas tradicionais.
Finalmente, o evangélico e, principalmente o político deve reconhecer que não é incorruptível. Ninguém é invulnerável diante do fascínio do poder e do dinheiro. A mosca azul está nos levando ao escárnio público porque todos as vezes na história do cristianismo que a Igreja se comprometeu com os sistemas corruptos do mundo, traiu a Cristo, que mendiga dizendo: “Eis que estou à porta e bato…” Aquele que na terra “não tinha onde reclinar sua cabeça”, julga, vomita e, até usa chicote contra os que comercializam o Evangelho.