FÉ CRISTÃ E POLÍTICA
FÉ CRISTÃ E POLÍTICA
Pastor Julio Borges Filho
INTRODUÇÃO
– “Teologia é a razão em busca do entendimento” (Anselmo de Cantuária). A fé sem entendimento pode se transformar em fanatismo ou pode ser manipulada por líderes religiosos inescrupulosos. Busquemos, pois, melhor entendimento de nossa fé bíblica para melhorar nossa prática política.
– Não temos no Novo Testamento um projeto sobre como organizar a sociedade e as tentativas históricas fracassaram: Roma, Calvino, os migrantes americanos, etc. Ademais os textos sagrados são ambíguos: Romanos 13 diz que devemos acatar as autoridades porque foram constituídas por Deus para a promoção do bem, mas Apocalipse 13 afirma que devemos resisti-las quando abusam porque são verdadeiras bestas. Jesus chamou Herodes Antipas de “raposa”, o que não é nenhum elogio, e os apóstolos afirmaram diante do Sinédrio que “mais importa obedecer a Deus do que aos homens. Jesus pregou o Reino de Deus que não é deste mundo (corrupto), mas inclui todo o universo, e, à luz desse Reino, nos deixou ensinos e práticas válidos para todas as épocas na esperança de que sua igreja os colocasse em prática em sua vida interna e lutasse por eles. É na igreja que o Reino alcança concretude.
– Epitácio Fragoso e suas sugestões em “A Pedra de Drummond” sobre as sínteses do Cristianismo: (1ª) Agostinho com base na filosofia de Platão, 2ª) Tomás de Aquino com base na filosofia de Aristóteles, e a 3ª ele sugere com base na filosofia e sociologia de Karl Marx contra a exploração do homem pelo homem. Temos a base teologia bíblica não alienada para nos orientar em nossa prática política (busca do bem comum): 1) A criação de Deus – Gênesis 1, 2) A dignidade humana de seres criados à semelhança da Trindade Santa – Gn 1:26 e 27, 3) os paradigmas bíblicos do Gênesis 2 (O Jardim do Éden) e do Apocalipse 21 e 22 (A Nova Jerusalém) e, sobretudo, 4) a vida e os ensinos de Jesus de Nazaré.
- A CRIAÇÃO DE DEUS – Gênesis 1
- Tudo o Deus criou é bom e tem propósito, isso é afirmado seis vezes.
- Não podemos existir sem o nosso habitat e sem o Universo.
- Nosso mandato cultural (Gn 1:28) de crescer e multiplicar e dominar a terra…. provocou o gemido da criação de Romanos 8:19-22.
- A DIGNIDADE HUMANA – Gênesis 1:27 e 28
- Valor – A vida em si mesma – sacralidade – criatividade – solidariedade
- A expressão religiosa: vida eterna (vida abundante) a das vidas mais ameaçadas e feridas
- A expressão filosófica: por ser criador e livre pode pensar e transcender o seu mundo (um ser em abertura)
- A expressão antropológica: pessoa que se relaciona
- A expressão ética: responsabilidade pelo nosso destino e pelo destino de nossa Casa Comum, a terra.
- A expressão política: formas de participação no poder da sociedade (democracia no sentido originário: participação de todos).
- A fundamentação quântica: a interligação de todas as coisas. Nosso gemido.
- OS PARADIGMAS BÍBLICOS
- O Jardim do Éden – Gênesis 2 e 3
– Frei Carlos Mesters: “Jardim do Éden, saudade ou esperança?” defende que o plano de Deus seria transformar a terra num imenso jardim para todos.
– A busca de um jardim para todos é a ação nobre da política.
– No livro “Trazendo o céu à terra” sobre os ensinamentos de um grande rabino polonês traz uma interessante tese: “No início o céu era aqui e nós o expulsamos. Agora é nossa tarefa trazer o céu de volta.”
- A Nova Jerusalém – Apocalipse 21 e 22
– A capital do Universo de portas sempre aberta para os migrantes de Deus, linda como uma noiva adornada, e imensa em sua forma quadrangular.
– Economia: a riquezas é para todos – “O que aqui é pedra ou metal precioso, lá é material de construção”.
– Energia limpa, ecologicamente perfeita, com saúde para todos.
– Laica porque sem templos.
– Política: participação de todos porque “reinaremos pelos séculos dos séculos.
- Uma escatologia não alienada: O presente como encontro do passado com o futuro. O Jardim do Éden fala da redenção da terra; a Babilônia, a cidade do mal (Apoc 18) nos diz o que devemos combater (o autoritarismo, uma economia sem coração e excludente que provoca o enriquecimento dos especuladores, persegue e mata inocentes, e mercantiliza almas humanas; e a Nova Jerusalém nos diz o que devemos defender.
- JESUS DE NAZARÉ
- Ação e pregação de Jesus de Nazaré
– Os partidos políticos na época de Jesus: 1) Os Saduceus era o partido das elites, do alto clero, dos banqueiros e latifundiários, que conspirou par a prisão e morte de Jesus e colaborava com Roma; 2) Os Herodianos era o partido de Herodes, o Grande …; 3) Os Fariseus era o partido religioso mais organizado que não se submetia a Roma, mas pagava impostos, tendo grande rabinos como Hillel, Shamai, Gamaliel, Saulo de Tarso, Nicodemos, mas também vivia de ostentação, o que provocou críticas fortes de Jesus; 4) Os Zelotes seria o partido de extrema esquerda, também religioso, que pregava violência contra Roma e se armava para tanto, e, sendo muito popular, Jesus os fascinava (boa parte dos apóstolos era zelote); e, finalmente, 5) Os Essênios, tão radicais ou mais que os zelotes, mas preferiram ser celibatários e fugirem para cavernas e desertos, e foi a aliança deles com os zelotes no ano 66 que conseguiu a expulsão dos romanos que depois, com um grande exército, invadiu a palestina, sitiou Jerusalém e a destruiu, o que Jesus queria evitar e chegou a chorar e a lamentar tal destino.
– A pregação de João Batista preparando o caminho
– As tentações após o batismo: 1) A econômica… , 2) A religiosa de manipular o povo… e 3) A política de se comprometer com Satanás…
– A opção pela Galileia dos Gentios: uma síntese do mundo e o Manifesto de Nazaré (Lucas 4:18-19), uma clara opção pelos deserdados da economia, da política, da saúde e da moral religiosa.
– O Senhor Jesus enfrentou o mal individual e sistêmico. Albert Nolan no seu pequeno grande livro “Jesus antes do cristianismo”, detalha isso recuperando o contexto bíblico da palestina na época. Ele divide tudo em quatro questões fundamentais: Solidariedade, posição, posse e poder.
Questões: O projeto maligno x O projeto de Jesus
. Solidariedade Paroquialismo Abertura
. Posição Orgulho Humildade
. Posse Acumular Repartir
. Poder Dominar/benefício próprio Servir
– Na cruz de Cristo tudo foi desmascarado: A economia com a expulsão dos vendilhões no átrio dos gentios que foi o estopim para a conspiração contra de Jesus… A religião porque foram os líderes religiosos que o prenderam, que fizeram o julgamento religioso e o levaram a Pilatos… O poder político e militar romano foi desmascarado porque agiu por conveniência, mesmo reconhecendo a inocência de Jesus, e ainda o flagelou torturando-o para pregá-lo na cruz como um subversivo político (um zelote)…A justiça dos homens caiu por terra por condenarem o único inocente da história humana… Satanás viu seu império ameaçado pelo amor porque a vida vencer a morte. O Apóstolo Paulo sintetiza assim tudo: “E despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz” – Colossenses 2:15
- O mal no mundo
Sua origem
– A rebelião de Lucifer – Isaias 14:14 – cuja essência foi o de querer ser semelhante ao Altíssimo.
– O coração humano – Dele saem as fontes de vida como diz o provérbio bíblico (4:23): “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda porque dele procedem as fontes da vida”, e também toda sorte de males que contaminam o homem como afirmou Jesus. Nosso conflito interior é bem expresso pelo Apóstolo Paulo em Romanos 7:15-25. Ele queria fazer o bem e terminava por fazer o mal que não queria. A complexidade do mal: Começa no coração do homem e atinge tudo o que o homem toca e constrói, inclusive suas instituições e seus sistemas de poder. Uma pequena deformação transforma uma coisa boa em ruim. Jesus advertiu que não devemos tentar separar o joio do trigo para não jogar fora junto com o joio o trigo. Isso acontecerá na colheita final. As tentativas históricas da igreja para expurgar o joio, como a inquisição, foi um desastre fazendo um mal maior.
O mal sistêmico
Preocupado com o mal no mundo, o Apóstolo Paulo, como base na doutrina do anjo da guarda do AT, elaborou a doutrina dos principados e potestades – Efésios 5:12. Daniel 10 nos conta que, preocupado com o futuro de Israel e do mundo, Daniel fez oração e jejum por três semanas às margens do Rio Tigre na Babilônia. Deus ouviu sua oração no primeiro dia e enviou um anjo com a resposta, porém o anjo demorou três semanas para conseguir entregar a mensagem porque recebeu a oposição do Príncipe da Pérsia e só conseguiu derrotá-lo com a ajuda do Arcanjo Miguel, Príncipe ou protetor de Israel. Em outras palavras: países, cidades e instituições humanas são controladas por anjos e têm sua espiritualidade própria. A doutrina paulina nos diz que a nossa luta não contra a carne e o sangue (as pessoas), mas contra os principados e potestades e as forças espirituais da maldade nas regiões celestes. Todo poder saiu das mãos de Deus. Satanás tem poder porque o usurpou; o homem tem poder porque lhe foi dado por Deus. Quando sistematizado torna-se uma força que pode ser usada para o bem ou para o mal. O poder é uma força neutra como o fogo. Usando para servir o bem comum é benéfico (Romanos 13), mas usado para dominar e para se servir gera opressão e corrupção (Apocalipse 13).
- O fim de nossa história – I Coríntios 15:24-28. Com todo o poder voltando às mãos do Pai, é distribuído por todos para, finalmente, o projeto do Gênesis 1 ser concretizado com uma humanidade semelhante a Cristo.
CONCLUSÕES
- À luz da criação e da dignidade humana, dois temas fundamentais nos confrontam hoje: A defesa do meio ambiente e as desigualdades sociais.
- Os paradigmas bíblicos do Jardim do Éden nos encaminham para uma escatologia não alienada para combater o mal sistêmico e defender causas justas: justiça social, defesa na natureza, uma economia solidária e um estado laico.
- Os ensinos de Jesus e do Apóstolo Paulo nos desafiam ao inconformismo (Rm 12:1-3), a não absolutizar as coisas finitas, a uma prática política de serviço desinteressado e libertador (assistência social, ação social e ação política (Robinson Cavalcanti), e a combater o mal sistêmico e demoníaco, e, finalmente, jamais perder a esperança.
- A Igreja deveria ser uma maquete do RD no mundo revelando um modelo de sociedade alternativa Sabe-se, pela história do cristianismo, que Jesus foi traído e em seu nome se fez muitas barbaridades e até guerras.
- Termino com a voz profética de Martin Luther King Jr em sua carta da prisão de Birmigham, no Alabama, em resposta a um manifesto de líderes cristãos e judeus que o acusavam se extremismo. “Quando passo pelo sul dos EUA e vejo os monumentais templos e seus grandes edifícios de Educação Cristã, eu me pergunto: que tipo de cristão está sendo formado ali? Onde estavam eles quando seus irmãos negros eram espancados, presos e mortos por causa de sua cor? Por que se emudeceram? … Se a igreja de hoje não recuperar o espírito sacrificial da igreja primitiva, renunciará a fidelidade de milhões que a deixarão de lado como irrelevante clube social, mantenedora do status quo, sem significado nenhum para a nossa época…” E conclui a belíssima carta dizendo: “No alto do Calvário há três cruzes com três homens acusados do crime de extremismo. Dois extremistas da imoralidade, um extremista do amor. O mundo precisa mais do que nunca de extremistas criadores.”
(Palestra apresentada no encontro promovido pelo Movimento Evangélicos pela Justiça e mais duas entidades negras no dia 09/11/2018 no auditório Casa da América Latina em Brasília, e na reunião do grupo alternativo de evangélicos decepcionados pela postura das igrejas nas últimas eleições, no dia 13/11/2018 no Cruzeiro, Brasília)
Vamos todos estar em oração pelo Brasil.