“IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO”
IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO”, de Ailton Krenak
Julio Borges Filho
As ideias do líder indígena, ambientalista e escritor Ailton Krenak me comoveram por se harmonizarem com a teologia da criação cristã. Eis um pouco do seu pensamento colocado no livro “Ideias para adiar o fim do mundo”:
“Se você disser que a natureza é um recurso, ela é um recurso para que e para quem? Além desse grave equívoco de acreditar que a natureza é um recurso, ele vem acompanhado de uma outra percepção: de que a natureza é uma coisa diferente de nós” . (…) “Se a gente conseguisse se afetar com a ideia de que, para além dos seres humanos, a vida está em todos os lugares, como nós poderíamos entender que uma empresa pode ser dona de uma montanha? Picar a montanha, botar em contêineres e mandar para a China? A terra não é uma propriedade.” Para ele, o mundo ainda vai ser reconfigurado, mas por um pensamento gentil, de um pensamento que gosta do mundo. E arremata: “Já escutei muita gente dizendo: ´Acho que os índios são muito preguiçosos, eles não fazem nada no lugar onde vivem´. Pelo contrário, eles fazem a experiência mais interessante que existe nesses lugares: viver”.
Tais ideias coincidem com a legislação social do povo de Deus no AT que vê a terra e seus recursos como sendo de Deus para habitação comum. Daí ninguém ser dono da terra, mas ela deveria ser usada como usufruto respeitando-a e dando-lhe o devido cuidado, inclusive o descanso sabático ( Lv 25:4), e não se podia vendê-la perpetuamente (Lv. 25:23) voltando ao proprietário de origem no ano do Jubileu (Lv 25:8s). O “ai” primeiro de Isaias 5 vai para a ganância latifundiária ou empresarial. As ideias do índio escritor têm base em Gênesis 1 e 2 onde o homem é cooperador de Deus no cuidado com a criação. O Papa Francisco colocou em sua encíclica “Nossa casa comum” o pensamento católico de preservação da terra contra a ganância predatória.
E, finalmente, Jünger Moltmann, o maior teólogo cristão vivo da atualidade, condena o antropocentrismo da teologia cristã tradicional que dá ao homem o direito de explorar e abusar dos recursos naturais, propondo que a morte de Cristo na cruz objetiva a redenção de tudo: do ser humano, da criação atendendo os seus gemidos (Romanos 8:19-22) e do cosmos. Daí sua crítica ferina aos valores fundamentais da civilização de buscar o poder e o lucro explorando a criação. Tal pecado sistêmico vai contra a criação da Trindade Santa que vê a natureza, não como um objeto sem vida, mas como um espelho revelatório da glória de Deus (Sl 8:3-9; Rm 1:18-20). Os homens são chamados pela justificação em Cristo a serem coparticipantes do processo criativo de Deus. Assim ele vê três estágios no processo criativo divino: 1) A criação no princípio: “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn 1:1); 2) A criação continuada do novo: “Não vos lembreis das coisas passadas, nem considereis as antigas. Eis que faço coisa nova, que está saindo à luz; porventura não o percebereis?” (Is 43:18-19); e 3) A plenitude da criação de Deus: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21:5).
Diante de nossa triste realidade ecológica onde as florestas são destruídas, o mar e os rios são contaminados, o ar é poluído, etc, é necessário que os filhos de Deus se manifestem (Romanos 8:19), os governos e de todas as pessoas de boa vontade defendendo a natureza. Estamos interligados com tudo e sem a natureza não existiríamos. “Respeito à vida”, o lema do grande missionário inglês na África e Prêmio Nobel da Paz, Albert Schweitzer, está diante de nós. E também as palavras proféticas de um velho e sábio cacique: “Quando o homem branco destruir todas as florestas e matar todos os animais, envenenar todos os rios e matar todos os peixes, só então vai descobrir que dinheiro não se come.”