UM HOMEM E UM PASTOR REVOLUCIONÁRIO
UM HOMEM E UM PASTOR REVOLUCIONÁRIO
Em memória de Djalma Rosa Torres
Após o sepultamento de uma amada ovelha, ao chegar em casa hoje, 23.05.2020, recebi a triste notícia: Djalma, meu amigo-irmão, tinha partido deste mundo após meses de tratamento de um câncer no estômago. Minha dor foi maior por não ter me despedido dele e não poder estar nas homenagens em Salvador.
Clarissa, sua família, já havia me alertado de sua possível morte. Imagens e lembranças me vieram a mente. Conheci Djalma no Seminário Batista do Norte do Brasil no início de l965. Djalma era um jovem apaixonado e corajoso. Numa lecção do GASG – Grêmio Acadêmico Salomão Ginsburg – que eu presidia, ele falou sobre “Docência Teológica” e atacou: “Há professores que não vivem o que ensinam”. Tal afirmação levou o Corpo Docente a exigir retratação e Djalma não se retratou. Coube ao professor Harald Schally, um santo homem, e o Reitor David Mein salvá-lo de uma possível expulsão. No time de Futebol de Salão do Seminário eu e ele formávamos uma defesa dura e ousada. A bola podia passar, mas o atacante não passava. A nossa turma era uma turma especial e, dentro dela, eu, Djalma e Josafar fazíamos um trio harmônico. Na nossa formatura, impedidos de apresentar o discurso na solenidade, decidimos unânimes escrevê-lo e distribui-lo na porta da Igreja Batista da Capunga. O trio ficou encarregado de escrever a oração oficial da turma – NOVOS RUMOS PARA A IGREJA, o que fizemos bem. É um documento profético e válido até hoje. No dia da formatura, porém, o Reitor chamou-nos ao seu gabinete e pediu que, ao invés de distribuir o discurso, o que seria prejudicial ao seminário e a nós jovens formandos, um de nós o pronunciaria. Coube a mim a tarefa revolucionária.
Depois do Seminário continuamos unidos como amigos e irmãos. Eu me casei e fui ordenado ao pastorado antes dele. Logo depois ele casou com Vone (Olusivone) e foi pastor da Igreja Batista da Graça em Salvador. Deixou um bom emprego no Banco do Brasil para tanto porque o que fazia era sempre com paixão e por inteiro. Fizemos muitas viagens juntos. Chegaram os filhos: Maurício, Clarissa e Fabrício. Sempre me hospedava com ele e Vone e os filhos me chamavam de tio. Djalma me tratava sempre de “Velho Julio”, apelido do seminário. Eu o chamava de “Mestre Djalma”. Ele, depois, deixou o pastorado da Graça e foi pastorear a Igreja Batista Nazareth onde permaneceu por mais de 30 anos. Trata-se, até hoje, de uma igreja ecumênica e alternativa. Ao deixar ao pastorado desta amada igreja sua primeira paixão foi o Movimento Ecumênico, a segunda foi Canudos de Antônio Conselheiro sobre o qual produziu um documento histórico belíssimo. Depois o diálogo inter-religioso que lhe valeu dois títulos: o de Filho de Ogum, por ser um guerreiro, do Candomblé, e o Prêmio de Direitos humanos 2012 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Organizou uma associação CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudo e Serviço Cristão e, ligada a ela. a Igreja Evangélica Antioquia. Fundou o Coral Ecumênico da Bahia, e escreveu um livro sobre sua jornada e vários documentos importantes. Depois da morte de Vone, o que muito o afligiu, fez o curso de psicanálise, e esta foi sua última paixão.
Duas palavras sobre ele me emocionaram. A de Josafar quando lhe comuniquei a sua morte dizendo que ficamos apenas eu e ele do famoso trio: “Não há muita diferença .se eu ou você que fica por mais um tempo. O certo é que não seremos mais os mesmos. Uma parte de nós se foi.” E a do Pastor Joel Zeferino, da Igreja Batista Nazareth, ao convocar para o Memorial Inter-religioso Pr Djalma Torres neste domingo às 19 horas: “Se John Wesley é lembrado pela afirmação ´o mundo é a minha paróquia´ por ter se dado conta de que o espaço restrito da igreja era pequeno demais para sua atuação, o Pr. Djalma Torres certamente pode ser lembrado como quem viveu pela inspiração de que o ´o mundo é de Deus e todas as pessoas, nas diferentes religiões, são minhas irmãs e irmãos´”. Um homem raro, um pastor amoroso, um pregador que encarnava o que pregava pois colocava o coração em tudo o que fazia ou falava, um teólogo do mundo, um irmão, pai e avô incomparável, uma amigo mais chegado do que um irmão, assim era Djalma. Num de meus últimos encontros com ele, na casa de Maurício seu primogênito, ele estava alegre, muito empolgado e rimos gostosamente.
Um homem e um pastor revolucionário nos deixou, mas continua vivo na família e em todos que tivemos o privilégio de ser tocados por ele. Certamente agora está na Pátria Eterna onde tudo se reúne e onde Jesus Cristo reina com todos. E, não sei como pois sabemos muito pouco, encontrará por certo sua Vone, companheira na vida terrena e na eternidade.