“ELA ERA A VOZ”
“ELA ERA A VOZ”
Em memória de Gal Costa
“Ela era a voz”, assim se expressou Nando Reis em lágrimas quando soube da
morte de Gal Costa. E eu também chorei porque ela faz parte de minha
memória afetiva e eu a considero a melhor cantora do Brasil e do mundo.
Canta e encanta sem fazer força porque cantar era sua missão no mundo.
“Minha voz é um dom de Deus, e eu a uso para inspirar as pessoas”, disse ela
numa entrevista ao saudoso Jô Soares.
Eu a conheci pessoalmente no auge de sua carreira e voz, lá pelo ano de l988,
em Goiânia onde fora fazer um show. Hospedamos no Umuarama Plaza Hotel
e no mesmo andar. Lembro-me bem, porque neste bom hotel, de propriedade
de uma irmã presbiteriana, pastor não pagava até três diárias . Encontrei-a no
corredor alegre, cercada de amigos e a cumprimentei. Ouvi-la era como ouvir
uma voz angelical e libertária. Eu, que atravessei os anos de chumbo da
ditadura militar fiquei fã dos baianos João Gilberto, Caetano, Gilberto Gil, Gal e
Bethânia. Eram jovens ousados e libertários. Por isso hoje fico pasmo quando
vejo jovens manipulados ou não indo às ruas pedir a volta da ditadura militar
sob um homem que não sabe governar nem a si mesmo. Acho que inspirado
pelos “Doces Bárbaros” é que me sinto baiano de coração e morei por dois
anos em Ilhéus. Deus e Jorge Amado com sua Gabriela me empurrou para lá.
Ainda hoje é uma cidade que ocupa espaço em minha memória e coração.
Ouvir Gal Costa cantando “Força Estanha” de Caetano Veloso emociona-me
porque vejo alguém que nasceu para cantar cantando: “Por isso é que eu
canto, não posso parar… Por isso esta voz tamanha”. Ela e Bethânia cantando
“Sonho meu” é algo divino que nos enleva recordando os sonhos de amor mais
puros que tivemos. Assisti a novela Gabriela, em sua primeira versão com
Sônia Braga, só pra ver Gal cantar: “Eu nasci assim, eu cresci assim, vou
sempre assim: Gabriela.” Tudo que ela cantava tinha o brilho de sua voz única
e original. “Ela era a voz.”
Por isso chorei ao saber de sua repentina morte como se morresse uma amiga,
uma irmã… Os artistas são assim: fazem parte de nossa vida.
Brasília, 09 de novembro de 2022
Julio Borges Filho