A Ceia do Senhor
Textos básicos: Mt. 26:17-30; I Cor.11:17-34
1 – Contextualização
Era a última semana de vida de Jesus. Ele reúne os discípulos e os leva para Jerusalém, para serem seus companheiros, receberem seus últimos ensinamentos e transformarem-se nas testemunhas oculares dos acontecimentos daqueles últimos dias, o que seria fundamental para corroborar a credibilidade da igreja que iria surgir dali. Como não poderia deixar de ser, foi uma semana de emoções muito fortes, e acontecimentos que marcariam a vida de todos os participantes para sempre.
Começa com a consagração da chegada de Jesus em Jerusalém, quando foi recebido e ovacionado como rei. Para muitos poderia ser a indicação do reconhecimento de seu poder, e a vitória sobre os adversários, mas Jesus sabia que as mesmas vozes que gritaram “Hosana, bendito aquele que vem em nome do Senhor” naquele domingo gritariam “Crucifica-o” na sexta-feira.
Na sequencia Jesus enfrenta os comerciantes no templo, os líderes religiosos, leva os discípulos ao Monte das Oliveiras para alguns ensinamentos finais e logo em seguida, como era a Páscoa dos judeus, orienta os discípulos para prepararem a ceia da Páscoa.
É nesse contexto de acontecimentos e emoções que Jesus reúne os seus discípulos e vai comer com eles aquela última refeição.
Aquela não era uma ceia comum. Era uma ceia carregada de significado para os judeus: lembrava dor, escravidão, sofrimento, mas também lembrava a liberdade, a esperança e a vitória dos judeus sobre a opressão do Egito.
No meio daquele ritual de memória, Jesus usa os mesmos elementos, mas institui um novo significado. A Páscoa até então dizia: lembrem-se do Egito e da libertação. Agora Jesus diz: quando comerem, lembrem-se de mim. A partir dali nossa esperança não deveria mais ser motivada por uma passagem histórica, mas pela vida de uma pessoa e pelo que ela fez. Lembrem-se de Mim.
Dentro desse contexto gostaria de meditar sobre alguns significados que a instituição da Ceia pode assumir.
2 – Significados da ceia
Primeiro, como já dissemos, a Ceia é um memorial. Não podemos fazer nada se esquecermos de Cristo. Se sua morte e ressurreição não estiverem vivas em nossa memória nossas ações não fazem sentido. A Ceia é a fitinha amarrada no dedo, ou nossa agenda eletrônica que não nos deixam esquecer quem é a causa e a razão de tudo. A Ceia é como o farol que ao olharmos, em qualquer momento ou circunstância, sabemos que naquela direção está a segurança.
A Ceia não é um ritual de lembrança institucional, de uma data ou de um evento, como o dia da independência ou do descobrimento. É para nos lembrarmos de uma pessoa, de seu amor, de sua vida, é para lembrarmos do aconchego, da proteção, do “Vinde a mim todos os cansados e oprimidos”, mas também do “Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos” e do “Eis que estou convosco todos os dias”… Fazei isso em memória de Mim…
Em segundo lugar, a Ceia é um ritual de inclusão. Cristo estendeu o pão e o vinho a todos, inclusive a Judas. Foi uma última chance dele rever seus valores, entender o que realmente significava tudo aquilo que estava acontecendo e se arrepender do que estava pensando em fazer. Jesus não o deixou de fora. Jesus não negou a ceia para Pedro como castigo porque ele iria negá-lo logo em seguida. Ele deu a Ceia a todos, mesmo sabendo de dali a algumas horas todos o deixariam só.
Em I Corintios vemos Paulo repreendendo os crentes daquela igreja porque estavam deixando os pobres de fora. Os mais ricos chegavam primeiro, comiam até se fartarem e quando os mais humildes chegavam não havia comida para todos. Paulo condena essa prática: “Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os pobres?” A ceia deve congregar todos, na Ceia não pode haver diferença. Todos são iguais no comer, porque todos são iguais perante o corpo e o sangue de Cristo. Não há atitude mais contrária ao espírito cristão do que a ameaça da excomunhão. A comunhão não pode ser usada como instrumento de poder, para garantir a adesão ou concordância de ninguém. Também não é uma marca dos “iguais” mas, ao contrário, a certeza de aceitação dos diferentes. Uma igreja não pode negar a Ceia para aqueles que são diferentes, que não trazem a marca do grupo. Podemos estabelecer critérios para distinguir aqueles que fazem parte de nosso grupo, aceitam nossas regras, compartilham nossos rituais, etc, mas a ceia não pode ser um desses mecanismos. A ceia é universal. A única condição para se participar é ter lembrança de Cristo, é ter saudade, é querer estar junto.
Em terceiro lugar, a ceia é uma proposta de solidariedade. Inicialmente a ceia não era um ato simbólico realizada com um pequeno cálice e um pedaço de pão, era uma refeição comunitária, onde todos participavam. Quando Jesus a estabeleceu, ao tomar um pedaço de pão e um cálice de vinho, o fez apenas para relacionar o material com o significado. Quando disse “fazei isso em memória de mim” não quis dizer a separação de um pedaço da refeição e um pouco da bebida, mas o ato de tomarem a refeição juntos, em comunidade. O estar junto e ter para satisfazer a todos deveria ser um ato de lembrança de Jesus. E não era um ritual especial, com data marcada especialmente para isso. “Porque todas as vezes que comerdes esse pão e beberdes esse vinho, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha.” Toda refeição comunitária deveria ser Santa Ceia. Todo momento em que o esforço de um representava o cuidado para com todos era sinal da presença do Reino, era momento de se lembrar de Cristo, de ter saudades…
Os cristãos de Corinto estavam perdendo isso de vista. A ceia estava sendo motivo de segregação e não de comunhão. Paulo admoestou. Se o comer junto não estava sendo uma oportunidade de solidariedade, de todos estarem em igualdade de condições, se aquele momento não estava sendo um sinal da presença do Reino, se o ato de comer junto não fazia lembrar o amor de Jesus por todos, era melhor que comessem sozinhos em casa.
3 – Conclusão
A Ceia é um dos rituais mais ricos e profundos do cristianismo porque tem a função de sempre nos trazer de volta ao início. Sua função é nos fazer lembrar de Cristo e sua vida. Quando Paulo exorta que o homem deve examinar a si mesmo para participar da ceia, normalmente entendemos isso como uma atitude introspectiva em que vasculhamos nossas entranhas para descobrir nossos pecados ou nossas intenções impuras que poderiam nos impedir de participar da Ceia. E isso deve ser feito, devemos nos apresentar com o coração e almas puras e limpas, mas também devemos vasculhar nossa vida para ver se nosso modo de ser é excludente, se nosso visão do Reino consegue superar nossa atitude egoísta natural e nos faz ser solidários, de forma que os recursos disponíveis alcancem a todos.