CRISE DE CREDEBILIDADE (3): A CRISE POLÍTICA – 1
CRISE DE CREDIBILIDADE (3): A CRISE POLÍTICA – 1
Julio Borges Filho
- Recordando nosso curto período democrático (1985-2010)
As respostas às indagações dos sete retratos da matéria anterior, começa pela crise política porque é a política que cuida da busca do bem comum. É o campo definido em nossa Constituição dos poderes executivo e legislativo em todas as esferas, desde o governo federal, o Congresso Nacional, os governos estaduais, câmeras legislativas, e governos municipais e suas câmeras de vereadores. Por que os políticos, eleitos pelo povo, carecem de credibilidade no atual momento de nossa história?
Rememorar a história recente do Brasil desde a redemocratização é preciso para entendermos o atual contexto.
Após a memorável Campanha das Diretas Já, derrotada no Congresso, houve eleições indiretas com a eleição de Tancredo Neves. Com a morte de Tancredo, antes mesmo de assumir a Presidência, o que provocou uma comoção nacional, o seu vice, José Sarney, tomou posse. O último dos presidentes da ditadura militar, o General João Figueiredo que não gostava de Sarney, não entregou a faixa presidencial na posse. Os anos Sarney foram anos difíceis com uma inflação desenfreada. Eu sofri isso na pele. A minha Igreja me pagava dez salários mínimos e, não tendo como pagar-me, congelou meu salário. Em seis meses o salário caiu para um salário mínimo. O Plano Cruzado foi ineficiente. Houve desabastecimento de alimentos, mas os salários eram corrigidos mensalmente de acordo com a inflação. Muitas greves. O Presidente Sarney era impopular, mas passou à história como o presidente da redemocratização porque no seu mandato, aumentado para cinco anos, houve a Assembleia Nacional Constituinte que promulgou a “Constituição Cidadã”, segundo o Deputado Ulisses Guimarães que a presidiu com competência.
Vieram as primeiras eleições diretas em 1989, ficando no segundo turno Lula e Fernando Collor. Este com um partido inexpressivo, o PRN, tornou-se popular como o “caçador de marajás” em Alagoas quando governador. No último debate com Lula na Globo, foi favorecido pelo Jornal Nacional com a manipulação do último debate, e isso na véspera da eleição. Collor ganhou. Lançou dois planos econômicos, o Collor I e II, e ambos fracassaram. O dinheiro de todas as contas foi confiscado. Lembro-me que meu sogro vendeu sua casa em Maceió e, quando recebeu o dinheiro de volta, não dava nem para comprar um carro. Veio o impeachment de Collor com ampla mobilização popular convocada por uma gama enorme de partidos e movimentos sociais. A revista Veja não lhe dava tréguas, e publicou a bombástica entrevista com seu irmão Pedro Collor. A Rede Globo lançou a série “Anos Rebeldes” que inspirou os jovens a irem as ruas. Até eu, avesso a passeatas, fui à Esplanada dos Ministérios. Collor, envolvido com PC Farias, seu tesoureiro de campanha, recebeu um golpe parlamentar e foi impedido. Foi o primeiro impeachment do qual fui testemunha. Mais tarde o STF absolveu Collor. Itamar Franco, seu vice, assumiu com competência a presidência da República e fez um ministério de notáveis. Foi feito o Plano Real com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, e isso lhe levou à candidatura à Presidência. Ciro Gomes assumiu o Ministério da Fazenda e consolidou o Plano Real.
FHC foi eleito com os bons efeitos do Plano Real derrotando Lula, Brizola, Ulisses e outros, e depois reeleito, derrotando novamente Lula em meio a uma grave crise econômica. Durante seus oito anos de governo aconteceram as privatizações das Teles, da Vale do Rio Doce, da Siderúrgica Nacional, e outras. Houve muita corrupção, mas nada foi apurado. Vieram os escândalos: a compra de parlamentares para garantir a emenda à Constituição que permitiria a sua reeleição, o dos anões do orçamento, o do BANESTADO (a maior corrupção da história brasileira) onde atuou Sérgio Moro e Dellagnol, e tudo deu em nada. Cerca de 5 bilhões de reais foram desviados para paraísos fiscais e tudo está engavetado. É que já naquele tempo os tucanos se tornaram especialistas em controlar a PF, o PGR e o Judiciário. A Polícia Federal tornou-se apenas política de governo e não de Estado. Prova disso é o caso Roseana Sarney. O PFL, hoje Democratas, lançou a candidatura da bela, na época, e simpática Roseane à sucessão de FHC com belo marketing. A PF foi acionada e se descobriu dois milhões numa cidade do Maranhão reservados à campanha eleitoral dela, e aí a Globo deitou e rolou. Tal candidatura prejudicava o candidato tucano, José Serra, o todo poderoso Ministro da Saúde. José Sarney, pai de Roseana, fez um discurso histórico no Senado denunciado o fato que sabotou a candidatura de sua filha. Outro exemplo: O Procurador Geral da República, Geraldo Brindeiro, foi o sétimo indicado, mesmo assim foi o escolhido tornando-se o “Engavetador Geral da República”. Atualmente o Estado de São Paulo tem a corrupção mais bem sucedida do Brasil como bem salientou José Carlos Torres em excelente texto. Ali, onde os tucanos reinam por mais de 20 anos, tudo está sob controle: O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal. E ainda: Quando Romeu Tuma, diretor da PF, quis investigar os podres, FHC o demitiu e colocou um aliado político. Bem, Fernando Henrique terminou o segundo mandato impopular (O “fora FHC” tornou-se popular) e não conseguiu eleger seu sucessor. A inflação aumentou. José Serra, o candidato tucano, fugia na campanha da imagem do presidente. Lula derrotou Serra. Daí pra frente os tucanos só apanharam.
Lula foi o presidente mais popular da história do Brasil e é o mais pobre dos atuais ex-presidentes vivos, excetuando a presidenta Dilma. Retirante nordestino, tornou-se operário em São Paulo, e depois presidente do Sindicato dos Metalúrgicos quando foi preso pela ditadura militar. Foi um dos idealizadores e fundador do PT e da CUT. Após perder três eleições (uma para Collor e duas para FHC) chegou à Presidência da República e foi reeleito (derrotou Serra e Alkmin), governando o Brasil de 2002 a 2010, e ainda reelegeu sua sucessora por duas vezes. Para chegar à Presidência teve de escrever a “Carta aos Brasileiros” comprometendo-se a manter o sistema econômico em vigor. A primeira campanha eleitoral foi cheia de mentiras falsas dos adversários. No meio evangélico dizia-se que ele iria fechar igrejas, etc, e, uma ironia, no governo dele, presenciei a sanção da Lei Federal que garantiu a liberdade de culto no Brasil. Eu fui ao Planalto e vi uma centena de pastores. Na ocasião Lula se lembrou das calúnias. Construiu, como FHC, um governo de coalizão (é impossível governar sem apoio no Congresso Nacional) para poder governar, mas governou bem apesar dos limites. Deu face humana ao capitalismo brasileiro, como bem salientou Delfin Neto, com seus programas sociais (Bolsa Família, Fome Zero, Luz para todos, sistema de cotas nas universidades, etc), e tirou 36 milhões de brasileiro da miséria. Criou universidades, investiu na infraestrutura do país melhorando nossas estradas (Exemplo: No governo FHC eu viajava de Brasília a Curimatá, no sul do Piauí, num desfile de buracos e muitos trechos de estrada de barro; no governo Lula, viajar a Curimatá era deslizar num tapete rodoviário), tornou-se respeitado no mundo e, pela primeira vez, o Brasil passou a ter voz nas negociações de paz com sua diplomacia independente. O nosso Chico Buarque definiu isso bem dizendo que “o Brasil deixou de falar grosso com a Bolívia e fino com os Estados Unidos”. Incentivou a criação dos BRICS, o bloco econômico que uniu o Brasil, a Rússia, a China e a África do Sul; o G20, bloco dos 20 países emergentes; o Mercosul que uniu o Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e a Venezuela; e o UNISUL que unia os países sul-americanos. Deu voz aos direitos humanos, às mulheres, os negros, os índios, e os movimentos sociais. Enfrentou o escândalo do “Mensalão”, julgado pelo STF, tendo como relator o temperamental Joaquim Barbosa que reinterpretou a famosa “Teoria do Domínio do Fato”. Petistas históricos como José Dirceu e José Genoíno foram condenados, e também o delator Roberto Jefferson que com sua oratória, criou o termo “mensalão” para a compra de deputados. Lula sobreviveu à estratégia tucana de deixá-lo “sangrar”. Deu transparência ao governo criando o Portal da Transparência, combateu a corrupção criando a Controladoria Geral da República, e a Comissão de Ética; deu independência ao Ministério Público indicado sempre o primeiro da lista, e equipou a Polícia Federal transformando-a em polícia de Estado. Considero Luís Inácio Lula da Silva o melhor presidente do Brasil dos que conheci. Pecou somente porque não conseguiu fazer a Reforma Agrária, não fez a regulação de nossa vergonhosa mídia, e não criou mecanismos para conter a roubalheira política nas Estatais deixando o flanco aberto para seus adversários políticos. Terminou o governo com popularidade de 86% e elegeu sua sucessora Dilma Rousseff por duas vezes. Agora enfrenta o seu calvário no Judiciário na “maior perseguição política desde Getúlio Vargas”, como definiu o ex-ministro do Supremo Sepúlveda Pertence. Tudo para tirá-lo das eleições de 2018. Apesar disso lidera todas as pesquisas eleitorais, mas pode ser preso para vergonha do Judiciário brasileiro que está sendo também julgado pelo povo.
A seguir: Crise política 2 com os governos de Dilma, o Golpe Parlamentar de 2016, o impopular e inexpressivo governo Temer.