CRISE DE CREDIBILIDADE (10): NA RELIGIÃO (2)
CRISE DE CREDIBILIDADE (10): NA RELIGIÃO (2)
- O bom e o mau uso da fé na política (1)
Julio Borges Filho
O momento nacional, com uma notória crise política, econômica e ética, exige a contribuição de todos os segmentos da sociedade. O povo chamado “evangélico”, hoje um expressivo segmento da sociedade brasileira e, na riqueza de sua diversidade, pode e deve desempenhar um papel benéfico. Muito temos para dar e muito para receber dentro do ideal cristão de serviço. E servir os outros é doação e aprendizado. Especialmente na política. Abordo isso porque estou profundamente preocupado com um segmento religioso no qual fui formado e do qual ainda faço parte como uma presença marginal e incômoda, mas sempre amorosa.
Na política, a prática evangélica tem se manifestado mais negativa do que positiva nos últimos tempos. No passado tivemos poucos políticos evangélicos, e todos oriundos das denominações tradicionais (batistas, presbiterianos, metodistas, etc). Eram políticos íntegros, e alguns deles se destacaram no cenário nacional com grande contribuição. No meio evangélico enfrentavam o preconceito ideológico de que “a política é coisa do diabo”. A ditadura militar foi apoiada por grande parte dos líderes evangélicos que viam nela a mão de Deus para livrar o Brasil do comunismo. Houve muito jejum e vigílias nesse sentido. Os dissidentes foram denunciados por seus irmãos, presos, torturados e perseguidos. Com a abertura democrática após a ditadura militar e, de um modo especial, na eleição da Assembleia Constituinte, houve um despertar político, notadamente nas denominações pentecostais. Dois motivos contribuíram para esse despertamento: uma reação contra a hegemonia católica e, com o crescimento do eleitorado, o sonho de se ter um presidente da República evangélico. Depois, com o advento dos neopentecostais e, motivados pelo ideal de poder e defesas de suas igrejas, cresceram as bancadas evangélicas no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas estaduais. Consequentemente foi surgindo o “lobby da fé” com sua agenda moralista e conservadora. E neste assédio ao poder político, sem a devida preparação e vocação, vieram grandes golpes.
As maiores bênçãos, por uma leve perversão, transformam-se em grandes maldições. O sol dá energia e sabor, mas as insolações matam. O alimento sustenta a vida, mas, se contaminado ou em excesso, pode tirá-la. Assim também em relação à fé. Por uma leve perversão ela se transforma em legalismo, fanatismo, sectarismo e intolerância. “O justo viverá da fé” – eis uma declaração fundamental da Bíblia. Há, porém, os que usam a fé para se promover, para manipular e até para oprimir. Era assim no tempo de Jesus e ele desmascarou isso como hipocrisia. Hoje há promiscuidade no assédio do poder. A nossa triste e ruim bancada evangélica, com algumas exceções, está sempre ao lado do poder seja ele qual for, até chegar à situação de hoje quando se alia ao que há de pior na Câmara dos Deputados. Daí a chamada e retrógada bancada BBB – Boi, Bíblia e Bala.
Eis algumas razões que causam tal perversão: 1) Um tipo de espiritualidade que não afeta todos os setores da vida produzindo uma religião sem ética; 2) a prática da filosofia nada cristã de que o fim justifica os meios; 3) o crescimento quantitativo sem o necessário aprofundamento qualitativo; 4) a prática da teologia da prosperidade; 5) a ausência de uma democratização na maioria das igrejas; e, 5) a falibilidade e a vulnerabilidade do ser humano, e o evangélico é humano. Estas razões precisam ser analisadas, e é o que farei a seguir, e o faremos abordando dois temas: Os pecados da ambição e o poder como serviço.