CRISE DE CREDIBILIDADE (12): NA RELIGIÃO (4)
CRISE DE CREDIBILIDADE (12): NA RELIGIÃO (4)
- O bom e o mau uso da fé (3): O poder como serviço
Julio Borges Filho
A igreja é uma maquete do Reino de Deus na terra. Deve reproduzir em sua vida interna os ideais do Reino de justiça, paz e alegria no Espírito – Rm 14:17, e jamais deve reproduzir os valores da sociedade corrupta e seus sistemas de dominação. Seus líderes devem ser aqueles que servem. Só assim ela teria autoridade moral para exercer a sua voz profética no mundo.
Num país marcado por gritante iniquidade social, a luta pela justiça deve caracterizar o povo evangélico. Para tanto devemos começar lutando contra a pobreza e a miséria dentro da própria igreja. Urge colocar igrejas ricas, para que não se percam, em convênios de amor e solidariedade com igrejas pobres. Tal exercício corrigiria distorções econômicas e sociais dentro das igrejas e nos capacitaria para ver e agir na correção de distorções que clamam aos céus na sociedade brasileira. Ademais afirmaríamos a verdade evangélica de que as necessidades humanas são prioridades na economia divina.
À luz do exposto acima, o político evangélico deve ter uma clara consciência de que foi eleito para servir a sociedade em geral e não apenas a seus irmãos de fé. Isso não implica que não se deve procurar políticos evangélico na solução de seus direitos. É tarefa do político evangélico conscientizar pastores e igrejas de seus direitos perante a lei. O mesmo dever tem em relação a outras entidades e organizações da sociedade.
Concluo este depoimento fazendo uma breve reflexão nas seguintes palavras de Jesus: “Sede prudentes/astutos como as serpentes e simples como as pombas” – Mt 10:18. Encarnar este ensinamento é fundamental a um político porque a política é um processo dinâmico em que diariamente se tem de tomar muitas decisões rápidas diante das mais imprevisíveis situações. O contexto bíblico dessas palavras de Jesus é o envio de seus discípulos para uma missão louca: “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos.” Cultivar, pois, a prudência/astúcia das serpentes e a simplicidade das pombas é essencial. Prudência (phrorumos = cautela, bom senso, sagacidade, astúcia). Simplicidade (akeraios = sinceridade, pureza, sem mistura, sem malícia, integridade). Administrar prudência e simplicidade não é fácil, mas desafiador.
Prudentes como as serpentes para discernir o bem e o mal, e simples como as pombas para ser sinceros e transparentes. Prudentes para evitar conflitos desnecessários, e simples para não fugir dos conflitos inevitáveis. Prudentes para não se prender a atitudes mentais fechadas, e simples para se abrir inteiramente às causas justas. Prudentes para não se corromper com o mal, e simples para se comprometer com o bem. Prudentes para não se deixar queimar, e simples não se desanimar. Prudentes para não exagerar, e simples para se apaixonar. Prudentes/astutos como as serpentes nas negociações, e simples para falar sem duplicidade. Prudentes sem ser maldosos, e simples sem ser ingênuos. Prudentes para ceder no que não é fundamental, e simples para não ceder no essencial. Prudentes para identificar o inimigo, e simples para não fazer inimigos. Prudentes na própria defesa, e simples para defender os outros. Prudentes para não se deixar dominar, e simples para não dominar os outros. Prudentes para não ficar ao lado dos poderosos, e simples para abraçar a causa do pobre e do excluído. Prudentes para reconhecer que nem sempre a voz do povo é a voz de Deus, e simples para abraçar como uma criança os ideais do Reino. Em suma, prudentes para errar menos, e simples para corrigir os erros.
Sou um cristão-evangélico, e minha fé tem me ajudado a ver o invisível, a tolerar o intolerável e a vencer o invencível. Por meio dela tenho descoberto, como o Apóstolo Paulo, que a nossa luta não é contra as pessoas, mas “contra os principados e potestades…”, isto é, contra os sistemas iníquo que dominam o mundo. Tenho feito e desejo continuar fazendo um bom uso da minha preciosa fé como um dom de Deus.