CRISE DE CREDIBILIDADE (9): NA RELIGIÃO
CRISE DE CREDIBILIDADE (9): NA RELIGIÃO
- A diversidade religiosa no Brasil
Julio Borges Filho
A religião boa é a que humaniza as pessoas ajudando-as a se tornarem mais amorosas e mais solidárias. A diversidade religiosa no Brasil produz humanidade e desumanidade. Como tudo que é bom pode ser deturpado, também a religião. Eis uma rápida análise da religiosidade brasileira.
Começando pelas minorias religiosas. Eu me comunico também com elas. O espiritismo é a maior entre as menores. Depois vêm as religiões afro-brasileiras e as religiões orientais. Todas elas têm contribuído na formação do nosso povo, e não me cabe julgá-las por falta de um conhecimento mais profundo delas.
O Catolicismo Romano é a maior religião do Brasil e foi ele que deu a maior contribuição para nossa cultura. Já foi religião oficial e, como tal, intolerante, mas vem se abrindo pouco a pouco rumo ao verdadeiro Evangelho. Contribuíram para isso a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Teologia da Libertação e, ultimamente, o pontificado do Papa Francisco (primeiro Papa latino-americano). É um processo lento, mas irreversível. O Papa prega a simplicidade do Evangelho, vive isso na prática diária no Vaticano, inspira movimento libertários no mundo, é interlocutor de pontes entre as nações, é claro em sua voz profética condenando o capitalismo como “estrume do diabo” e em defesa dos fracos e perseguidos. Por isso não veio no centenário de nossa Senhora Aparecida no ano passado para não dar aval ao governo brasileiro pós golpe de 2016 nem aos abusos de nossa elite em detrimento dos pobres e excluídos. A Igreja Católica, todavia, devido ao clericalismo e os escândalos dos pedófilos, perdeu espaço no coração do povo que é órfão de uma boa assistência pastoral. Faltam sacerdotes e a ação dos leigos ainda é pequena numa igreja clerical.
As igrejas evangélicas, em sua diversidade imensa, cresceram assustadoramente nas últimas décadas, especialmente por causa do avanço dos pentecostais e neopentecostais. Caminha para uma estabilização em torno de 30% da população brasileira, mas perdeu muito em qualidade por causa da ganância financeira provocada pela teologia da prosperidade, pela busca pelo poder político sem a devida preparação, e pela intolerância e preconceitos. Os quadros iniciais desta série com Silas Malafaia pedindo aluguéis e com o Edir Macedo colocando o dinheiro como prioritário são exemplos disso. Quando o ministro Cristovam Buarque foi demitido pelo Presidente Lula, eu era o chefe da Assessoria Parlamentar do MEC. Ao entregar o cargo, o chefe de gabinete do Ministro Tarso Genro me perguntou qual era a minha igreja. Eu respondi que era batista. E ele: “É uma igreja séria”. Descobri então, que na percepção das pessoas inteligentes, há igrejas evangélicas sérias e não sérias. Por que?
As igrejas evangélicas tradicionais (batistas, presbiterianas, metodistas, luteranas, etc) têm uma melhor formação teológica e bíblica, além de serem herdeiras da Reforma Protestante do século 16. As igrejas batistas, com toda sua diversidade, é a maior delas. Algumas são ecumênicas e mais abertas e tolerantes. As igrejas pentecostais (Assembléia de Deus, Brasil para Cristo, Nova Vida, etc) têm grande penetração popular, especialmente as Assembléias de Deus, e vêm investindo numa boa formação de seus pastores. As neopentecostais (Igreja Universal, Sara Nossa Terra, Mundial, Renascer, Internacional da Graça, etc), apesar de serem menos conservadoras que as pentecostais, perderam-se em busca do poder e do dinheiro para manter seus impérios, além de possuírem líderes autoritários e pastores com pouca formação teológica. Um bispo dissidente da Universal confessou-me que, quando da compra da Record, bispos com suas esposas foram à Colômbia e trouxeram dólares até nas cuecas e calcinhas de uma oferta de um traficante convertido. As neopentecostais e algumas pentecostais são as principais responsáveis pela nossa atual crise de credibilidade. Vejam a nossa vergonhosa bancada evangélica que, com algumas exceções, é uma das piores da Câmara Federal e está sempre do lado do poder. O Primeiro Ministro do Canadá disse que os cristãos evangélicos do seu país são a parte mais retrógrada da sociedade. Acho que ele se referia aos preconceitos e ao ódio que germinam no meio evangélico.
Devo ressaltar que, apesar do péssimo testemunho de muitos, há igrejas de todas as denominações e muitas alternativas que dão um testemunho autêntico do Evangelho de Jesus Cristo nas comunidades pobres de nossas cidades. A moda, inclusive das igrejas tradicionais, de serem grandes em número e patrimônio, tornam as igrejas em empresas ou clubes sociais e criam o anonimato. Quando as igrejas buscam o poder e o dinheiro traem o Senhor Jesus por se aliarem ao príncipe deste mundo e perderem a sensibilidade humana pelos pobres e necessitados. E esses foram os pecados de Sodoma segundo profeta Ezequiel ( Ez). Estou escrevendo um livro, “Síndrome de Laodiceia”, para denunciar um quadro trágico e triste: Jesus Cristo do lado de fora da igreja batendo à porta. Não tenho inimigos, mas elegi alguns: O clericalismo porque creio no sacerdócio de todos os crentes, o legalismo porque amo a graça de Deus, e a intolerância religiosa porque creio no amor que acolhe a todos. Infelizmente eles penetram sorrateiramente nas igrejas e em suas instituições cooperativas. A principal missão das igrejas no mundo é serem um modelo de sociedade alternativa à sociedade corrupta do mundo.
Quando o Luther King Jr, um pastor batista, foi preso em Birmingham, escreveu uma carta em resposta a um manifesto de líderes religiosos que o acusavam de extremismo. Nela ele disse profeticamente: “Eu tenho chorado de desapontamento com a frouxidão da igreja. Quando passo pelo sul e vejo seus grandes templos com seus monumentais prédios de educação cristã, eu me pergunto: que tipo de cristão está sendo formado ali? Onde estavam eles quando seus irmãos de cor eram presos, segregados, humilhados e mortos? Se a igreja de hoje não recuperar o espírito sacrificial da igreja primitiva, renunciar a lealdade de milhões que a deixarão de lado como irrelevante clube social, defensora do status quo, e sem significado nenhuma para nossa época. ”
Uma velha Bíblia que eu tinha, tradução Almeida corrigida, colocava entre parênteses o hebraísmo “selá” que significa “para e pense nisso”. Pare e pense nisso, meu irmão e minha irmã.
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