O Cristão No Mundo
Sermão 1: Ser Cristão O CRISTÃO NO MUNDO – Mt 5:13 e 14 e Mt 10:16
– “Vós sois o sal da terra”
– “Vós sois a luz do mundo”
– “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos”
Vivemos tempos difíceis neste mundo, e para tais tempos nosso testemunho é imprescindível. Gosto de viver aqui, mas tem coisas intoleráveis. O cristão tem de saber quem é e qual seu papel no mundo.
A afirmação de Jesus que os seus discípulos estão no mundo, mas não são no mundo e no mundo devem permanecer e, por isso, ora ao Pai para que os guarde do mal (Jo 17:15 e 16) é essencial para entender nossa missão. Sobre ela os cristãos, em diversos momentos, assumiram posições aparentemente conflitantes: A posição monástica afirma que os cristãos não são do mundo e devem fugir do mundo para contemplar a face a Deus…; a posição do protestantismo tradicional diz que o cristão não é do mundo, mas estar mundo, mas cria uma espécie monasticismo intra-mundo…. A posição liberal reza que o cristão está no mundo para salvar o mundo e cai num horizontalismo estéril… Qual destas posições é a correta? Nenhuma, mas a síntese delas expressa a nossa missão: O cristão não é do mundo, mas está no mundo para salvar o mundo. O cristão não deve viver num grupo isolado, como os monges ascetas, porque a comunidade cristã não deve ser fechada. Assim o cristão é do mundo, mas não é do mundo. Isso significa que há um pensamento, um coração, uma vida do crente que não é dirigido pelo mundo, que não depende do mundo, mas pertence a outro mestre e Senhor. Sua função no mundo ninguém pode preencher.
Essa missão é definida por Jesus com afirmações que nos definem em relação ao mundo: “Vós sois o sal da terra”, “Vos sois a luz do mundo”, “Eu vos envio como cordeiros no meio de lobos.” Vamos refletir nos significados delas para nos entender.
ENTENDENDO OS TERMOS
Ser o sal da terra refere-se a forma precisa de Lv 2:13 onde nos é dito que o sal é o signo da aliança porque preserva os alimentos da corrupção.. O cristão é o símbolo visível da aliança de Deus em Jesus Cristo com o mundo. Sem isso esta terra não sabe para onde vai, está perdida. Por isso, por ser o sal da terra, é grande a participação dos cristãos na conservação do mundo. Porém, se o sal for insípido será inútil, lançado fora e pisado pelos homens.
Ser a luz do mundo: a luz aparece nas trevas, mas as trevas não a receberam. Os cristãos são essa luz por Cristo, e isso tem duplo sentido. O primeiro é que a luz é aquilo que domina as trevas, o que separa a vida da morte, e o que dá critério do bem (por isso a afirmação de Jesus é logo seguida pelas boas obras. Fora dessa luz não se pode saber o que é uma boa obra, nem o que é bom. E o segundo é que é essa luz que dá sentido a história do mundo, o que a orienta e o que a explica. O mundo pagão olhava para os cristãos primitivos e diziam: “Vede como eles se amam!” Mas a luz não pode ficar escondida, abafada. Ele tem de aparecer como uma cidade edificada sobre um monte.
Como ovelhas no meio de lobos: o cristão é o signo da realidade da ação de Deus. O cordeiro de Deus é Jesus Cristo porque só ele é que tira o pecado do mundo. O cristão é uma ovelha, não porque seu sacrifício tenha caráter purificador, mas porque ele é o signo vivo, real e sempre renovado do sacrifício do cordeiro de Deus. A Ceia do Senhor nos relembra sempre isso. No mundo toda pessoa procura ser lobo, e ninguém é chamado a desempenhar o papel de ovelha, mas o mundo não pode viver se o testemunho do sacrifício não estiver presente. Por isso é essencial que os cristãos cuidem de não ser espiritualmente lobos, mas em ser ovelha que anda entre lobos e só sobrevive porque o pastor estar com ela. Mas Jesus nos adverte: “Se prudentes/astutos como as serpentes e simples como as pombas.”
As expressões de Jesus não devem ser compreendidas como comparações ou como qualificativos. Elas são fria realidade da qual não podemos escapar. Negligenciá-la seria uma traição a Jesus e ao mundo. Nada de ilusões: 1) a ilusão da vida ligada ao convento ou a ermida dissipou-se…; 2) A ilusão da vida cristã perfeita em meio a mundo perdido também se dissipa (Rm 3:10). A solidariedade de todos os homens com o pecado é histórica. Estávamos lá quando nossos primeiros pais caíram. A imagem da queda humana significa nossa inadequação. Mas em meio ao pecado somos chamados a viver a nossa fé e jamais renunciá-la. Nada de dicotomia entre o espiritual (importante\) e o material (sem importância): é uma fuga diante da nossa responsabilidade. Muitos acham que se pode moralizar o mundo ou cristianizá-lo, o que é impossível e lamentável. Jesus disse que o trigo e o joio crescem juntos e só na colheita final podem ser separados Vejam o que está acontecendo no Brasil com grande parte dos evangélicos…
TENSÕES DOS CRISTÃOS NO MUNDO
Viver no mundo é um escândalo para nossa fé. Por isso nada de conformismo ou ilusão: vivendo no mundo nós vivemos sob o domínio do príncipe deste mundo. Assim não podemos escapar da tensão: sempre pecador e justo. Vivemos sob a tentação por isso oramos: “E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.”
É impossível tornar este mundo menos pecador, mas não é possível que o aceitemos como tal. Nossa luta é tentar mudar as situações preestabelecidas.
VIVER O SIGNIFICADO DE SER SAL, LUZ E OVELHA
O Desafio Ético
Aqui a ética cristã nada tem a ver com a “moral” ou mesmo com as “virtudes cristãs”, mas cada cristão saberá como agir, orientado pelo Espírito Santo, em cada momento. A ética cristã repousa sobre uma estrutura agônica da vida, isto é, a vida cristã é sempre uma agonia e um combate último, determinante e decisivo. Somos livres porque, a cada instante de nossa vida, somos na fé julgados e agraciados. Tal ética tem duas características: é temporária e apologética. Temporária porque depende da situação sempre variável. É uma ética situacionista. Por isso não podemos julgar cristãos fiéis que, no momento crítico que viveram, agiram. Bonhoeffer, o grande teólogo alemão que viveu no nazismo e permaneceu na Alemanha, fez parte da igreja não confessional que resistiu a Hitler. Foi preso e condenado à forca por acusado de ter participado na trama para assassinar Hitler. Explico melhor: Se você fosse o porteiro do prédio onde se escondia Anne Frank (O Diário de Anne Frank) e aparecesse um agente da Gestapo lhe perguntando se havia no prédio algum judeu, o que você responderia como autêntico cristão? Você defenderia a vida e mentiria. A Bíblia diz que Deus abençoou as parteiras egípcias por mentiram a Faraó e salvado assim vidas de bebês hebreus. Temos de agir de acordo com a nossa fé e isso individualmente e coletivamente. É apologética – Mt 5:16: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam vossas boas obras e glorifiquem a vosso pai que está no céus”. O comportamento cristão arruína a obra de Satã, e edifica o Corpo de Cristo no mundo porque faz apologia de Deus e não busca sua própria glória. Quando fui pastor da Primeira Igreja Batista de Ilhéus, a igreja tinha uma mocidade ativa e pujante, o que atraia a juventude da cidade. Duas irmãs, Ione e Dione se converteram. Ione, a mais velha, trazia sobre si um estigma de, quando criança, ter matado seu irmão mais novo. A menina pegou um punhal do pai e cravou no peito do menino. Os pais nunca a perdoaram por isso. Dione, que me contou tudo, pediu-me para visitar seus pais. Eu nunca tinha vista e sentido tanta concentração de mal numa só casa como naquela casa. O ambiente era opressor, o ódio transpirava. Eu falei então aos pais parabenizando pelas duas filhas e dizendo que elas estavam na igreja, um ambiente bom para elas, e que estavam aprendendo a perdoar e amar. Deixei o pastorado e vim para Brasília, mas voltei a Ilhéus para celebração de um casamento. Resolvi, então, visitar a família e encontrei um ambiente alegre, descontraído. Aqueles moças perdoaram a seus pais pela omissão do amor que elas tinham direito, e o pais, finalmente, perdoaram a filha mais velha que matou sue irmão por ciúme ou por uma ação maligna. Elas foram sal, luz e ovelhas no seu mundo menor e salvaram sua família.
Participar da conservação do mundo
O mundo deve ser conservado pelos caminhos de Deus e não pela técnica dos homens. É um combate espiritual onde se somos vencedores materialmente, somos derrotados espiritualmente. A adesão dos cristãos ao nazismo foi de 99%. Dos que ficaram na Alemanha apenas 1% resistiu formando a Igreja Não Confessional que foi perseguida e seus principais líderes mortos por enforcamento. A orientação bíblica paulina de como devemos viver neste mundo tem duas versões. A versão de Efésios 5:15-17 diz: “Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios e sim como sábios, remindo o tempo porque os dias são maus. Por essa razão não vos torneis insensatos. Mas procurai compreender qual a vontade do Senhor”. Em Colossenses 4:5 e 6 temos recomendação semelhante: “Portai-vos com sabedoria para com os que são de fora; aproveitai as oportunidades. Vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada um”.
Entre a vontade de Deus e a vontade do mundo
O cristão deve se situar entre o ponto de encontro da vontade de Deus com a vontade do mundo. A vontade do mundo é uma vontade de morte, uma vontade suicida. Precisamos entender tal vontade para o exercício de nossa missão de conservação. Deus não conserva o mundo de um lado, e por outro o salva. Ele conserva salvando-o. Temos de entender qual é a doença mortal do mundo para que nela concentremos nossos esforços. Eu a diagnostico assim: Acúmulo egoísta de bens provocando toda sorte de males como o aumento da pobreza e da fome, a destruição do meio ambiente, etc; fundamentalismo religioso com consequentes intolerância religiosa, racial e sexual disseminando preconceitos e ódio; A busca política do poder pelo poder para oprimir ou se servir dele gerando opressão e corrupção; guerras e escaramuças derrubando governos legítimos em busca de interesses econômicos, etc. Ficar ao lado dos fracos, dos que não têm vez e voz é o lado do cristão e o cristão pode ser verdadeiramente presente no mundo, e fazer uma obra social ou política ou evangelizadora ou profética pela graça de Deus. Para isso os imperativos paulinos de Romanos 12:1-3 são decisivos: 1) Apresentar nossos corpos por sacrifício vivo… , 2) não conformar (se amoldar à fôrma do mundo), e 3) a transformação da mente para a experimentação da boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Dois exemplos do AT se destacam nesse sentido: Abraão e Moisés. Nosso pai Abraão viveu como peregrino em tendas e nunca quis participar dos sistemas iníquos das cidades estado da época. O escritor aos hebreus explica que esperava a cidade que tem fundamentos. Moisés viveu os seus primeiros 40 anos se preparando para governar o Egito, os 40 anos seguintes viveu como fugitivo nas montanhas onde constituiu família e teve uma visão onde Deus o comissionou para liderar a libertação do povo hebreu. Os últimos 40 anos viveu como peregrino liderando o povo pelo deserto. Era do sistema dominante, rompeu com o sistema e foi o grande guia da liberdade.
Soren Kierkegaard, teólogo e filósofo dinamarquês que viveu no século 18, nos deixou a parábola do circo que pegou fogo para criticar sua igreja, a luterana. Um circo foi armado nas proximidades de uma cidadezinha dinamarquesa e, logo na primeira apresentação, quando todos os artistas já estavam prontos, pegou fogo. O dono do circo mandou o palhaço, vestido de palhaço, para avisar a cidade para vir ajudar a apagar o incêndio porque o fogo poderia se espalhar pelos campos e incendiar a cidade. O palhaço chegou na praça da cidade e gritou desesperado: “Gente, vão ajudar a apagar o incêndio do circo!…” E o povo ria achando que era uma propaganda da apresentação. Mas o palhaço insistia, mas ninguém acreditava. E, diz, Kierkegaard: “ O circo pegou fogo e foi destruído, e o fogo se espalhar pelos campos e destruiu a cidade. O mundo está em chamas… e os cristãos não podem vestir a roupa de palhaço. Temos de conquistar o direito de falar e de sermos ouvido..
O sal mistura-se para conservar… A luz penetra nas trevas para apontar o caminho… E a ovelha caminho entre lobos, sem se transformar em lobos, mas seguindo o caminho do Cordeiro de Deus… Este é o nosso desafio: SER CRISTÃO NO MUNDO para torna-lo mais justo, mais humano e menos cruel.