O PASTOR E O GUERILHEIRO – O filme
O PASTOR E O GUERILHEIRO – O filme
Julio Borges Filho
Quase não assistia o filme O Pastor e o Guerrilheiro, o que seria uma lástima porque é um filme impactante. Mas minha esposa recebeu cinco ingressos de um amigo que participou da produção do filme. Ela, porém, não quis assistir porque achou que tinha violência. Como era meu retorno à telona após a Pandemia, não queria ir sozinho. Convidei Marcos Lessa, amigo e ovelha preciosa, para assistir comigo nesta segunda-feira 22 de maio de 2023. Assim, em agradável companhia, podemos reviver um pouco do período de chumbo de nossa recente história, a ditadura militar que muitos, por desconhecê-la, pediram de volta provocando os vergonhosos acontecimentos de 8 de janeiro deste ano.
O filme de José Eduardo Belmonte, tem três atores principais: Johnny Massaro (o guerrilheiro João), Cesar Melo (o pastor Zaqueu) e Julia Dalavia (Juliana) no período que vai de 1968 a 2000 com lições preciosas para o atual momento que vivemos. Além das estrelas principais conta com bons atores coadjuvantes: Cássia Kiss (a avó de Juliana), Ricardo Gelli (Coronel Cruz), Ana Hatmann (a guerrilheira Helena) e outros. Os cenários do filme é a Universidade de Brasília, uma cidade satélite da capital onde localiza-se a igreja do Pastor Zaqueu, e a floresta do rio Araguaia no norte de Goiás, hoje Tocantins.
O roteiro conta a história de Miguel Souza, também chamado de João, quando deixa a Universidade de Brasília diante da perseguição aos estudantes pela repressão policial e vai para a guerrilha do Araguaia com sua namorada Helena onde é capturado, levado para uma prisão e torturado cruelmente pelo coronel Cruz. Seu companheiro de cela é o Pastor Zaqueu que foi preso por engano confundido como um comunista. A beleza do filme é reviver os anos 70 do século passado através do Diário de um Guerrilheiro lido por Juliano já perto da virada do século. Os dois amigos de cela e de tortura marcaram um encontro na Torre de TV de Brasília exatamente na festa da virada. O coronel Cruz suicida-se com um tiro na cabeça corroído pelo remorso, porque além das torturas aos presos políticos, deu um tiro na nuca de Helena, grávida de Miguel, e isso o torturava. O filme provoca temas importantes para os dias de hoje. Eis alguns:
- Não se pode esquecer o passado sob pena de se comprometer o futuro. Aliás, é olhando para trás, como salientou Kierkegaard, que compreendemos a vida, mas para vivê-la é preciso olhar para frente;
- Três formas de transformação da história é nos apresentada: através da força bruta e desumana, através da luta política armada e através de religião de forma pacífica;
- É preciso se romper com a violência do passado para que ela não volte nunca mais;
- É possível unir um militante comunista e um bom pastor evangélico através de ações de bondade, e também através do dor e do sofrimento;
- A religião pode ser deturpada: ela pode libertar ou alienar;
- A Igreja também pode ser deturpada: pode ser uma agência do Reino de Deus (do Pastor Zaqueu) ou uma empresa mercantilista (do filho).
- O amor entre um homem e uma mulher jovens explode em plena selva para humanizar a luta.
Confesso que durante o filme eu senti uma saudade infinita de meu irmão Alírio Guerra de Macedo, militante político do PCdoB e vice-presidente da UNE perseguido pela ditadura militar e que nos deixou um desastre automobilístico no dia 26 de julho de 1990. Mas, só no final, descobri a conexão com meu irmão quando Juliana encontra-se com o Pastor Zaqueu na torre de TV de Brasília (virada do século) para lhe entregar o livro Diário de um Guerrilheiro dedicado a ele. O pastor diz a ela que gostaria muito de reencontrar Miguel e ela responde: “Infelizmente isso é impossível. Ele morreu num desastre de carro em 1990.” Resumindo tudo: O filme se inspirou nas memórias do Araguaia de Glênio Sá que morreu com Alírio no trágico desastre, e eu tive a dificílima missão de encomendar o corpo de ambos antes do sepultamento em Natal cercado por minha mãe, irmãos, as viúvas de ambos e os filhos ainda novos. Cerca de cinco mil pessoas acompanharam os corpos até o cemitério ao som da Internacional Socialista e pela chamada: “Glênio Sá e Alírio Guerra!…” E a resposta: “Presentes, agora e sempre!…” Bem, os filhos de Glênio e o primogênito de Alírio acham que foi um assassinato de ambos porque eles vinham no fusca de Alírio que o dirigia e Glênio no carona quando o carro bateu de frente com um opala de placa fria de São Paulo. O motorista não prestou socorro e nunca foi encontrado. Ambos voltavam da campanha eleiroral no interior do RN onde Glênio era candidato ao Senado e Alírio à Câmara de Deputados. Depois descobriram que Glênio, como um dos nove sobreviventes da guerrilha do Araguaia foi vigiado pelos militares durante dez anos mesmo após a Anistia. Um dia a verdade virá à tona. No filme eu chorei com Juliana quando o pastor lhe perguntou se ela era filha de Miguel. É que a saudade de meu irmão chegou ao auge.
Após o filme Marcos tirou uma foto nossa junto ao cartaz do filme me convidou para um cafezinho na Casa do Pão de Queijo. Ali, tomando café com pão de queijo recheado, ruminamos o filme e eu lhe falei de minha emoção. Como o mundo é pequeno!…
Brasília, 22 de maio de 2023