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O Silêncio de Deus

Texto Base: Salmo 115

 

Somos todos ovelhas do mesmo rebanho

Irmanados pelo signo da procura

Buscamos todos as mesmas pastagens

E nos iludimos com o tamanho do universo

Porque nada vemos além de nossas cercas

Somos o caminho que nos deram

E por ele carregamos nossos trôpegos momentos

Insistentemente repetimos pequenas vitórias

Como se respostas surgissem de lembranças

Enganamos o espírito ansioso (ou tentamos)

Que na verdade procura entender apenas o sentido da vida

Como garotos atrás de redemoinhos de poeira

Fazemos grandes perguntas e nos calamos

Olhando fixamente para os ares

Tentamos decifrar o intuito das águias

Como se o ar nos devolvesse propostas roubadas

Depois procuramos decifrar o silêncio a nosso favor

Sempre causou-me inquietação as descrições da Bíblia quando Deus  falava audivelmente e de uma forma tão natural com as pessoas antigamente: Adão, Abrãao, Moisés, Josué, Samuel, Elias, Jonas, Pedro, Paulo e muitos outros. Será que quando a Bíblia diz que “Deus falou” era realmente uma voz audível, ou seria a tradução para uma inclinação, uma intuição ou uma vontade forte, identificada com a vontade inequívoca de Deus? De qualquer maneira, pelo relato bíblico, fica claro que, ou sendo o relato uma descrição literal ou uma descrição poética, a vontade de Deus era claramente entendida. Mas será que essa clareza de comunicação era comum a todos os crentes, ou as descrições bíblicas destacavam aqueles relacionamentos especiais, separados por Deus, com missões e objetivos específicos?

E hoje, como Deus fala? De que modo Ele deixa claro sua vontade? De que forma Ele responde nossas perguntas e inquietações?

Na maior parte das vezes (e isso é um testemunho pessoal, não gostaria de generalizar), oramos  e esperamos ouvir (literalmente) a voz de Deus nos dando uma orientação clara e inequívoca de sua vontade. Mas só recebemos silêncio como resposta. E para não entrarmos muito no assunto, para não  darmos razões para nos revoltarmos contra Deus, ou até para dar uma “mãozinha” a Ele, interpretamos o silêncio convenientemente: se nossa expectativa era de que algo acontecesse e não aconteceu era porque não era da vontade de Deus, se aconteceu, Deus ouviu as nossas orações.

De toda maneira, fica uma incômoda sensação de frustração, de decepção ou um complexo de falta de fé ou de pecado renitente que nos impedem de alcançar ou de simplesmente ouvir a voz de Deus.

Mas, quais as razões pelas quais Deus pode não se fazer ouvir claramente?

 

Vamos citar apenas algumas:

– Pecado – É bastante claro que o pecado constitui uma barreira entre o homem e Deus. Mas não é uma razão absoluta. Jonas, mesmo em desobediência, em pecado, ouviu a voz de Deus, deixando bem claro sua missão e qual era a vontade dEle.

 

– Falta de fé – Não ouvimos se não acreditamos que Deus fala

 

– Expectativa errada – Muitas vezes não detectamos a resposta de Deus porque não admitimos que Ele poderia usar aquele meio para responder. Deus fala em FM e nós estamos sintonizados em AM. Exemplo: os dois discípulos do caminho de Emaús. Deus é muito mais heterodoxo do que nós admitimos.

 

– Soberania de Deus – Deus não responde porque não quer responder, porque não faz sentido nenhuma intervenção naquele momento. Nosso pedido está tão desfocado que Ele não tem nada a dizer.

 

–  Maturidade do Homem – Gostaria de refletir um pouco mais nesse ponto. Para começar devemos entender melhor a intenção inicial de Deus em relação ao homem. A “imagem e semelhança”  de Deus com as quais o homem foi criado não significavam apenas compartilhar de seus atributos, capacidade de sentir, raciocinar, decidir, etc, mas também sua maturidade e autonomia. Porém, diferente dos demais atributos, que foram cravados no DNA do Homem, a maturidade deve ser alcançada, através do exercício da humanidade, da reflexão e da experiência, coisas só alcançadas com o passar do tempo. Resumindo: a racionalidade nós nascemos com ela, a maturidade nós alcançamos. Durante esse período Deus, como verdadeiro Pai, iria acompanhando, orientando, educando, fazendo o que o Homem ainda não tinha condição de fazer (ou entender) por sua própria iniciativa. Porém , a medida que este fosse amadurecendo e tivesse condições de assumir mais responsabilidades, Deus iria “soltando” o Homem e transferindo-lhe mais responsabilidades. Durante esse período de crescimento, o que o homem precisasse e não tivesse ainda conhecimento para resolver sozinho, Deus agiria. Como um verdadeiro pai.

E isso aconteceu? Crescemos? Amadurecemos?

Com certeza que sim. Nosso grau de conhecimento hoje é muito diferente daquele do tempo de Abraão, de Moisés , de Cristo, ou mesmo de quinhentos anos atrás. Durante todos esses anos de vida da humanidade, crescemos e amadurecemos. Muitos impasses que necessitavam de uma intervenção miraculosa para serem resolvidos, hoje já temos conhecimento, tecnologia e maturidades suficientes para resolvermos sozinhos. Doenças que para serem curadas necessitavam de um milagre, hoje já têm cura pela nossa tecnologia. Situações que só poderiam ser alteradas através de intervenção divina, hoje já podem ser explicadas e alteradas pelo conhecimento que já dispomos. Deus não precisa mais intervir.

Porém, assim como um filho resiste a ter que deixar a casa dos pais, onde tem tudo disponível, e ter que batalhar pela sua vida, seja por comodismo, seja por medo, assim também resistimos a assumir nossas responsabilidades e apelamos sempre para a facilidade de transferir para Deus nossa responsabilidade. Deus não atende pedidos que nossa capacidade já pode alcançar.

É claro que em situações especiais, a critério do próprio Deus, Ele pode intervir de forma miraculosa mesmo em situações mais simples e corriqueiras. Não questionamos ou limitamos a soberania de Deus, mas o que queremos dizer é que muitas vezes o silêncio que nos incomoda é simplesmente a nossa resistência em assumirmos nossa responsabilidade em nosso destino. É não assumirmos a responsabilidade que nossa maturidade como seres humanos nos sujeita.

O Salmo 115, no versículo 16 diz que “os céus são os céus do Senhor, mas a terra, deu-a ele aos filhos dos homens.” Ocasionalmente invertemos essa lógica, queremos definir as regras do céu, quem entra, quem não entra, quem merece mais, e esperamos que Deus governe o nosso mundo, assumindo nossas obrigações e responsabilidades.

Paradoxalmente, quanto mais nos aproximarmos do ideal de Deus, mais Ele, aparentemente, se distanciará de nós, qual Pai que a medida que o filho vai crescendo, vai transferindo as responsabilidades e a capacidade de tomar decisões, até o momento da maioridade e independência, sem, contudo, nunca deixar de ser pai, de amar e de socorrer nos momentos de necessidade.

Assim, pode ser que a angústia que o silêncio de Deus nos causa seja simplesmente a nossa recusa em assumirmos nosso destino e a encararmos a maturidade que já alcançamos, e que o próprio Deus já respeita.

Wilson Xavier Dias

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