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Para Onde Foi a Mulher Samaritana?

*José Florêncio Rodrigues Jr

Fui incumbido pela Comissão de Arqueologia e História Bíblicas de restaurar a história da mulher samaritana registrada por João no capítulo 4 do seu Evangelho, assim como o estabelecimento do Evangelho na aldeia de Sicar. Viajei de São Paulo para Tel-Aviv e de lá para o lugarejo onde foram, milênios atrás, as terras dadas pelo patriarca Jacó a seu filho José. Percorri ruínas, conversei com pessoas da região e apurei o que segue.

Logo depois de o Senhor Jesus Cristo haver deixado Sicar com seus discípulos, D Maria do Carmo—era esse o nome da Samaritana, segundo vim a saber—esteve a braços com a tarefa de congregar e orientar as pessoas convertidas durante a presença do Senhor. Eram cerca de 80. Entre entusiasmada e ansiosa D. Maria do Carmo visitava, reunia, ensinava o que havia apreendido naquela memorável conversa à beira do poço de Jacó.

Não tendo como dar conta sozinha, D. Maria do Carmo soube da existência de uma Junta Missionária da Galiléia e Decápolis sediada em Samaria, capital da região. Tomou o ônibus e foi até lá. Após inquirir aqui e ali, localizou a sede da Junta e lá foi recebida pelo Pastor Carlos Alberto, muito solícito em ajudá-la. D. Maria do Carmo relatou ao Pastor Carlos Alberto, secretário executivo da Junta, o que acontecera durante a estada do Senhor Jesus Cristo e da situação em que se encontrava, tendo de assistir os convertidos em Sicar.

Rejubilado com as notícias, Pastor Carlos Alberto, de imediato comprometeu-se a ir à pequena cidade, distante de Samaria algo como 40 quilômetros. Marcou o dia da visita com D. Maria do Carmo.

Eram três da tarde quando o Pastor Carlos Alberto chegou a Sicar na camionete da Junta, uma bela camionete Frontier cabine dupla, com a logomarca da Junta na porta. Os irmãos estavam reunidos na casa de D. Maria do Carmo. Como eram em maior número do que o que a casa comportava, ficaram em pé na área da frente, debaixo das mangueiras. Pastor Carlos Alberto cumprimentou a cada um individualmente; atento, entregou a cada um cartão de registro utilizado pela Junta para efeito de relatório.

D Maria do Carmo apresentou o visitante e disse o motivo de sua vinda, passando-lhe de imediato a palavra. Depois da saudação Pastor Carlos Alberto elogiou a iniciativa e assegurou a participação da Junta no estabelecimento do Evangelho em Sicar.

O que seria necessário fazer? Indagou Pastor Carlos Alberto, uma pergunta retórica, que ele próprio passaria a responder. Duas providências: Primeira, construir um templo, segunda, trazer um “obreiro” para dirigir o trabalho dali por diante. Sobre o templo, Pastor Carlos Alberto tinha muita tarimba, tendo posto em andamento duas dezenas deles nas cidades da responsabilidade da Junta. Lembrou ele aos irmãos que esse era um momento oportuno, singular, vez que as eleições estavam próximas. Hora certa para procurar o candidato do PMDB, cuja eleição era dada como certa, e obter dele a garantia de, sendo eleito, doar um terreno para construção do templo. Além disso, prosseguiu o Pastor Carlos Alberto, os irmãos comecem a fazer campanha e vão comprando 10 milheiros de tijolo, 700 sacos de cimento, areia lavada, brita e outros materiais para iniciar a construção. Sobre o obreiro, dava como certa a indicação de um para a futura igreja, o qual deveria estabelecer-se dentro de três meses.

Os irmãos ouviam deslumbrados a exposição do Secretário da Junta, sentindo-se importantes e valorizados com o aval da entidade. Concluída a reunião com uma oração, o visitante voltou para Samaria. Os irmãos falavam entre si e em pequenos grupos sobre o brilhante futuro do trabalho em Sicar. Somente a d. Maria do Carmo não participava da euforia. Dispersos para suas casas, ela movimentava-se pela casa pondo as coisas em ordem. Sebastião, seu sexto companheiro, notou-a macambúzia, meio mal humorada. Embora somente estivessem juntos por três anos, conhecia-a o suficiente para diagnosticar o mau humor.

– Que é que há contigo, Do Carmo? Que marimbondo te picou? Ela resmungou alguma coisa que ele não entendeu, enquanto continuava a varrer vigorosamente a sala; Daí a algum tempo ela falou:

– Tu não estás vendo, Sebastião, que essa história do Pastor Carlos Alberto não tem pé nem cabeça? Essa história de começar construindo um templo…quem já viu? Eu só tenho o quarto ano primário, trabalho de diarista no Sudoeste, mas não sou burra. Se há uma coisa de que me lembro bem na conversa que tive com o Senhor à beira do poço foi que Ele disse: nem nessa monte nem em Jerusalém adorareis o Pai; Deus é Espírito e seus adoradores devem adorá-lO em Espírito e em verdade.

– Mas, Do Carmo, obtemperou Sebastião, como é que tu quer que essas pessoas se reúnam sem um prédio, sem um templo?

– Sebastião, só sei de uma coisa: não foi isso que o Senhor ensinou. Agora quero que tu vá comigo à casa de Rosivaldo e Elísio. (Rosivaldo havia sido o quarto marido e Elísio o segundo).

– Que é que tu quer indo à casa de Rosivaldo e Elísio, Do Carmo? Eles têm as famílias deles e não vão gostar de tua visita.

– Por essa razão é que eu quero que tu vá comigo, respondeu D. Maria do Carmo.

– Tu tás fora do teu juízo? Que é que eu vou fazer na casa desses dois? Não, comigo não.

D. Maria do Carmo ainda não havia perdido o jeito de persuadir seus parceiros. Dois cheiros no cangote, quatro cafunés e lá iam eles para o que ela quisesse.

Rosivaldo recebeu os dois no portão. Escutou a fala de D. Maria do Carmo dando conta da vinda do Senhor à cidade, coisa de que todos, inclusive Rosivaldo, tinham conhecimento. Falou do poder transformador do Cristo, como mudara sua vida. Convidou Rosivaldo à fé no Senhor. Ele baixou a cabeça e respondeu:

– Maria do Carmo, tu sabe que eu não dou valor a religião. Não me vem com mais essa conversa, que eu já estou ressabiado. Me deixa cuidar da minha vida, do meu trabalho, da minha família. D. Maria do Carmo viu que o coração de Rosivaldo era pedra pura, no qual a semente não germinaria. Despediu-se dele, assim como Sebastião e rumaram para a casa de Elísio.

Elísio foi mais cordial do que Rosivaldo. Convidou os dois para entrar e sentar, o que fizeram. O testemunho de D. Maria do Carmo foi o mesmo que deu a Rosivaldo. Nada complicado. Testemunho de quem tinha falado diretamente com o Senhor. Elísio escutou e disse:

– Maria do Carmo, eu soube da vinda do Cristo à nossa cidade. Desde aqueles dias tenho estado inquieto. Tenho ouvido de como você e outras pessoas mudaram de vida depois de encontrar com Ele. Eu também quero ser um seguidor do Cristo. Estava emocionado quando pronunciou essas últimas palavras. Ali mesmo se ajoelharam e oraram entregando a vida de Elisio ao Senhor.

Junto com a família de Elísio e outras pessoas convertidas D. Maria do Carmo passou a ter reuniões em sua casa. Os irmãos da congregação tomaram seu rumo, seguindo a orientação do Pastor Carlos Alberto. Em um ano e meio havia um templo, o templo da Primeira Igreja Batista de Sicar. Da casa de D. Maria do Carmo outras casas tornaram-se sede de reuniões pequenas, nas quais se compartilhava da fé no Senhor, cultuando-O em Espírito e em verdade.

Retornando no ônibus de Sicar para Tel Aviv, onde embarcaria para São Paulo eu vinha absolutamente impregnado pelo que havia escutado e visto naquela pequena cidade. Nem mesmo a paisagem de plantações de oliveira dispostas em fileiras retilíneas, todas bem podadas e cheias de frutos, conseguia mudar o centro de gravidade dos meus pensamentos. Ficou-me clara a vitalidade das reuniões na casa de Do Carmo com a participação de Elísio e família, enquanto os cultos na Primeira Igreja Batista entravam cada vez mais profundamente em um ciclo de rotinas.

Porém, o que me perturbava é que mesmo reuniões como as da casa de Do Carmo eram suscetíveis de serem contaminadas pelos vírus da manipulação, da competição e da hipocrisia. Igrejas não são feitas de anjos, mas de gente, pensei comigo mesmo. Ocorreram-me também as palavras registradas por Jacobsen e Coleman no seu livro Por que você não quer mais ir à igreja? Escreveram esses autores: “Deus não tem endereço”. Muito parecido com o que White escreveu em sua pesquisa sobre a arquitetura dos templos cristãos primitivos: “Deus gosta de brincar de esconde-esconde”.

É perturbador não ter uma sede. Por essa razão, mais de uma vez queixei-me ao Eterno sobre a dificuldade de adorá-lO em Espírito e em verdade. Disse-lhe: Senhor, essa adoração requer uma sofisticação e profundidade espirituais que não está ao nosso alcance. O Eterno olhou-me e com um sorriso zombeteiro respondeu: Florêncio, Maria do Carmo lhe parece uma pessoa com esse nível de sofisticação? Calei-me.

Como o Senhor Jesus falou ao atordoado Nicodemos, “O vento sopra onde quer; ouves seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim é todo aquele que é nascido do Espírito.”

P.S. Hoje de manhã acorreu-me à mente um texto do profeta Isaías que me levou a contraditar o que Jacobsen e Coleman afirmaram sobre Deus não ter endereço. Sim, Ele tem. No último capítulo da profecia, versos 1 e 2 o profeta argui o povo de Israel sobre construir um templo a Deus. “Que templo poderíeis me construir? O céu é meu trono…” e continua o profeta: “Eis aquele para quem olharei (ou em quem habitarei)”: o contrito e abatido de espírito e que treme da minha Palavra). Sim, o Eterno tem seu templo, que é também seu endereço: o meu e o seu corações quando contritos, abatidos de espírito e trementes da sua Palavra.

Brasília, 06 de outubro de 2012 – Pregado no 23º aniversário da igreja Cristã de Brasília

*José Florêncio Rodrigues Jr é teólogo, ex-professor do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, professor aposentado da UnB e da Universidade Católica de Brasília, tendo exercido vários pastorados em igrejas batistas em Pernambuco.

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