Sermões

A MISERICÓRDIA TRIUNFA SOBRE O JUÍZO

                                                                                                     Wilson Xavier Dias

Texto: Tg. 2:1-13

1 – Contextualização

Tiago escreve sua carta para os cristãos judeus espalhados pelas igrejas mundo afora. Um dos assuntos que ele aborda é sobre a investida judaizante na igreja. Judeus convertidos que defendiam a necessidade de se submeter às leis do judaísmo, mesmo problema que Paulo enfrentava em diversas igrejas.

A argumentação e abordagem de Tiago é bem menos teológica do que a de Paulo, porém bem mais prática. Para mostrar que a lei só tem o poder de nos tornar culpados e não de nos trazer a salvação,Tiago parte de uma situação real, talvez corriqueira, para demonstrar que a lei define a culpa e explicita o juízo, mas não traz a redenção.

A situação usada como exemplo é o tratamento diferenciado que se dava aos mais ricos e poderosos, em detrimento dos mais humildes.

Como ele está dirigindo essa carta a todas as igrejas, em geral, podemos pressupor que essa atitude era comum a todas, ou seja, era um hábito na sociedade e na igreja. Os ricos e poderosos tinham atenção e deferência especial nas sinagogas, ao ponto de se retirar uma pessoa mais humilde do seu lugar para alojar uma mais rica.

Tiago chama a atenção para a falta de lógica, coerência e visão pragmática dessa atitude. Justamente os mais privilegiados, por terem maior conhecimento dos caminhos legais ou por poderem pagar os custos da “justiça”, são justamente aqueles que criam mais problemas e trazem prejuízo aos pobres.

2 – Os argumentos de Tiago

Nesse ponto Tiago traz o assunto para a esfera teológica. Essa atitude não é apenas uma injustiça do ponto de vista social, é a quebra de um mandamento de Deus: o amor ao próximo. A acepção de pessoas é a prova de que o amor ao próximo não está bem definido e distribuído em nosso coração. Aquele que faz acepção de pessoas descumpre a lei e torna-se culpado.

Partindo desse princípio Tiago argumenta que a lei tem a função apenas de nos colocar em um de dois grupos: culpados ou inocentes. Não há gradação. Perante a lei o que adultera é igual ao que mata, ou que faz acepção de pessoas. Ele é simplesmente culpado. E sujeito a todas as penalidades previstas. No caso da dimensão espiritual, a condenação eterna.

3 – Misericórdia

Esse é o argumento de Tiago: quando alguns cristãos insistiam na volta à obediência às leis, como caminho para a salvação, na realidade estavam apenas reafirmando a culpa e a condenação. Não se deixava espaço para a salvação.

E ele introduz o conceito da graça, que ele não utiliza com esse nome, mas o apresenta através de um de seus resultados, ou componentes: a misericórdia.

Na lei não há espaço para a misericórdia. Para os culpados deve-se aplicar as penalidades da lei. O problema é que perante a lei de Deus não há inocentes, todos somos culpados.

Então, se insistimos na lei, estamos na realidade insistindo na nossa própria condenação.

Jesus Cristo veio, como solução de Deus, exatamente para romper essa lógica. Como dádiva de Deus, sem necessidade de contrapartida, Ele se dispôs a cumprir todos os requisitos da lei e nos oferecer gratuitamente a absolvição dos pecados e o acesso à salvação. Isso é a graça. Essa superação da culpa é a misericórdia.

E Tiago exorta que a partir desse ponto em que fomos alcançados pela misericórdia de Deus, também devemos agir da mesma forma. E que isso é uma condição para o julgamento futuro, que selará definitivamente nosso destino. O juízo é sem misericórdia para aquele que não usou de misericórdia.

A misericórdia triunfa sobre o juízo.

O importante a se destacar nessa afirmação de Tiago é o poder da misericórdia.

Ela tem o poder de superar as consequências do rigor e da frieza da lei. Ela é um dos valores que a graça traz ao cenário humano e que a lei não dava espaço: misericórdia, compaixão, amor, solidariedade, companheirismo, etc. Na realidade ela representa a possibilidade de compartilharmos do caráter de Deus. Vivermos, com todas nossas limitações, os valores que representam o próprio caráter do Criador.

E quando Tiago fala do poder da misericórdia ele imediatamente emenda essa afirmação com a necessidade das obras, no versículo 14, e a partir dessa base de raciocínio ele desenvolve toda a argumentação do papel das obras na vida do cristão.

Mas porque naquela época, e ainda hoje, somos tentados a viver segundo a lei e ignorarmos a graça?

4 – Lei e graça

Levanto algumas razões (claro que não todas) que ao meu ver levam a essa postura:

1º – Não sabemos conviver com a liberdade e suas responsabilidades. A liberdade sempre foi um dos maiores objetivos filosóficos e práticos do homem. Inúmeras guerras e processos foram desencadeados com o objetivo de se obter a liberdade em diversas situações. mas também é verdade a dificuldade que sempre foi enfrentada depois do sucesso dessas conquistas para se estabelecer os critérios de convivência com a nova situação. Em muitos casos isso não foi alcançado. Boa parte porque não se tinha consciência das exigências que a liberdade faz para se estabelecer.

Na dimensão espiritual é a mesma coisa. Jesus nos liberta mas a liberdade exige um compromisso diário com seu galardoador. A liberdade faz parte de um movimento contínuo em que o homem é personagem atuante. “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará…” Cabe ao homem aprofundar a liberdade outorgada através do conhecimento contínuo da verdade.

Nem sempre estamos dispostos a isso e preferirmos delegar a outro (a lei) nossa responsabilidade de definirmos nossos caminhos.

2º – A lei aparentemente nos dá mais segurança. Tendo as regras de vida e comportamento definidas, escritas, listadas, nos sentimos mais seguros ao definirmos o que é certo e o que é errado. É a diferença entre seguirmos o Espírito, que é um vento que não sabemos de onde vem nem para onde vai, e a lei, escrita em uma tábua rígida de pedra.

Se não estivermos prontos ou dispostos a conviver com a insegurança da liberdade, é mais fácil seguirmos a lei.

3º – Seguir a lei significa ser assistente e paciente da vontade de Deus para o mundo. Seguir a graça significa ser agente de Deus na implantação do Reino. Ao adentramos na graça assumimos uma responsabilidade muito maior, o que significa que Deus nos considera capazes de participar dos seus planos. Significa que a graça nos coloca numa dimensão mais coletiva. Na lei, se a descumprimos, recebemos a punição e sentimos suas consequências em nossas vidas. Na graça, se não a vivemos, comprometemos a construção do Reino, comprometemos as possibilidades de todos aqueles que virão depois de nós.

A graça traz consigo a misericórdia, a compaixão, o amor, a paciência, a tolerância, a boa vontade, a boa fé, enfim todos os valores do caráter de Deus e esses valores devem estar presentes aonde a graça também está, ou seja, em nossas comunidades de fé, em nossas igrejas.

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