FAÇA-SE A TUA VONTADE
Série de sermões no PAI NOSSO (5):
FAÇA-SE A TUA VONTADE – Mateus 6:10b
Pastor Julio Borges Filho
Eis o coração do Pai Nosso: “Venha a nós o Teu reino, faça-se tua vontade assim na terra como no céu”. Já tratamos do primeiro movimento do coração, a sístole: “Venha a nós o Teu Reino”. Hoje é a vez do segundo, a diástole: “Faça-se a Tua vontade assim na terra como no céu”.
Lous Évele, disse que a história do mundo se firma em quatro fiats, que são quatro colunas fundamentais: O primeiro fiat, Gênesis 1:3, “Fiat lux” = “Faça-se luz…”, é a expressão da Palavra criadora de Deus. Ele sai do seu próprio silêncio denso de mistério e faz surgir do nada todas as coisas. É o fiat cósmico, o centro do universo. O segundo, Lucas 1:38, é o fiat de Nazaré: “Fiat mihi secundum verbum tuum” = “Faça em mim conforma a tua palavra”. E assim Deus desceu à terra e se fez homem. Este fiat é o centro da história humana. O terceiro, Lucas 22:42, “Non mea voluntas, sed tua fiat” – “Faça-se não a minha vontade, mas a Tua”. O fiat angustiado de Jesus no Getsêmane que brotou do dramático contraste entre a carne e o espírito, é o centro da redenção. É da escuridão do horto que surgiram as fagulhas da redenção. E o quarto fiat, Mateus 6:10b, “Fiat voluntas tua sicut in cielo et in terra” = “Faça-se a Tua vontade assim na terra como no céu”. A nossa oração tem o poder de recompor a unidade do nosso ser após a desordem e desagregação do pecado, restabelecer a harmonia divina em nós, e devolver-nos a imagem e semelhança de Deus. Tal fiat é o centro da vida da Igreja.
Dividamos em duas partes: “Faça-se a Tua vontade”, e depois “assim na terra como no céu
FAÇA-SE A TUA VONTADE…
A vontade de Deus
Uma palavra sobre vontade – A vontade é fruto da inteligência e representa a capacidade de escolha, de correção e de definir metas. Há vontades construtivas e destrutivas… Vontade é diferente de instinto. Quando sentimos fome e sede queremos comer e beber, se um perigo físico nos ameaça, institivamente nos defendemos. Isso é instinto. A vontade é fruto da consciência que é própria dos humanos. Eis um desafio político: Administrar vontades. Acho que é difícil, até, para Deus, administrar bilhões de vontades e respeita-las.
Deus tem uma vontade pessoal, afirma Jesus, e Paulo nos diz que tal vontade pode ser experimentada por nós – Romanos 12:1-3. O texto nos diz que devemos nos transformar pela renovação de nosso entendimento para que possamos experimentar qual a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Vivemos cercados de vontades (governo, juízes, igreja, pastores, pais, filhos, sogra), mas a única vontade boa, agradável e perfeita é a vontade de Deus. É a vontade das vontades.
A vontade de Deus revela um projeto de vida de Deus que inclui todos os seres humanos e toda a criação, e é irrigado de afeto de um Pai apaixonado por nós: “Façamos o homem conforme a nossa imagem e semelhança…” Para que a salvação seja plena é preciso que todo ser humano e tudo entrem na esfera de Deus. A eleição de Israel como povo de Deus era para que ele fosse uma bênção para as outras nações como prometera a Abraão. Assim foi libertado da escravidão do Egito e passou 40 anos no deserto para que o Egito saísse no coração do povo. Deus deu-lhe os 10 mandamentos para orientá-lo na formação de uma sociedade justa que se multiplicasse nas outras nações. O que aconteceu? Israel foi se afastando da vontade de Deus a ponto de, imitando outras nações, pedir um rei. Samuel queixa-se de Deus achando que o povo o estava rejeitando, e Deus lhe diz: “Não é a você que eles rejeitam; eles rejeitam a mim.” A monarquia entrou em Israel contra a vontade de Deus a tal ponto que Salomão inspirou o seu império no império opressor do Egito com taxas altíssimas de imposto, opressão e ostentação. Um exemplo disso é a cidade de Tersa que existiu desde os juízes. Escavações arqueológicas do tempo dos juízes mostram as casas mais ou menos iguais; as escavações do tempo do reinado mostram os palacetes e as favelas dos pobres expressando uma sociedade injusta. Veio o cativeiro Babilônico. Jerusalém e o templo foram destruídos, e o povo no exílio aprendeu a se relacionar com Deus sem a mediação de templo e de sacerdotes. Aprenderam a responsabilidade pessoal e, quando retornaram sob os Persas (um dos melhores impérios do mundo que respeitava a cultura dos povos dominados), lançaram as bases do Judaísmo com um monoteísmo puro. Reconstruíram o templo e foram se afastando de Deus, agora sob o comando dos sacerdotes, a tal ponto que quando Deus veio ao mundo na pessoa do seu Filho, eles não o conheceram como afirma o Apóstolo João. Um novo Pacto em Cristo surgiu com um povo formado de todas as nações do mundo, a Igreja. Este já se afastou de Jesus Cristo muitas vezes atraída pelo poder e pela riqueza. Há uma história que ilustra bem isso. Conta-se que Tomaz de Aquino, o grande teólogo da Igreja, foi visitar o Papa em Roma. Emocionando com a visita do santo homem, o Papa saiu mostrando a ele as belezas e as riquezas do Vaticano. Passando por paredes coberta de ouro, o Papa disse sorrindo: “Está vendo, Tomaz, já não podemos dizer como nossos antepassados Pedro e João: ´Não temos ouro nem prata´”. O grande Tomaz, sério, respondeu: “É, santidade, mas não mais podemos dizer com eles: ´levanta-te e anda´”. Quando a Igreja trai a Cristo atraída pela forma de ser do mundo, ela nada tem para oferecer ao mundo porque se afasta da vontade de Deus que é que ela seja uma maquete do Reino no mundo, a semente de uma nova humanidade redimida em Cristo Jesus.
Deus rejeita o exercício do poder e da força para executar Sua vontade. Assim quem deseja fazer a vontade do Pai Eterno deve desprezar o poder exercido pelas armas, pela manipulação política e religiosa, e pelo controle econômico. Por isso o exercício da humildade que vem de “humos” que é a camada mais fértil do solo. Nossos projetos devem ser fertilizados…
Jesus viveu dentro da vontade do Pai: Tal Pai tal Filho.
“Eu e o Pai somos um”. “A minha comida consiste em fazer a vontade do meu Pai que está no céu e realizar a sua obra”- João 4:34. “Pai, se é possível passa de mim este cálice. Todavia faça-se a Tua vontade e não a minha.”, orou no Horto. Na oração sacerdotal em João 17:20 e 21, ele ora por todos os seus discípulos de todos os tempos para que fossem perfeitos em unidade como ele o é com o Pai.
A resposta do Pai ao Filho é maravilhosa: “Este é meu Filho amado em quem me comprazo”; no batismo; e “Este é meu Filho amado, a Ele ouvi”, na transfiguração com no Monte com Moisés e Elias, representantes da revelação do AT. Não é para ouvirmos mais Moisés ou Elias (Lei e profetas), mas para ouvir Jesus Cristo, a crucial revelação de Deus ao mundo.
A igreja deve ser a comunidade dos que buscam fazer a vontade de Deus.
Eis nossa grande comissão: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. É por isso que o bem mais precioso da igreja é a comunhão. Se ela falhar nisso falhará em tudo. A comunhão é a Lei de Cristo, o novo mandamento que é a prova visível do nosso discipulado. Viver o ideal do Projeto amoroso de Deus no mundo é nosso maior desafio.
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU
É a vontade das vontades
Vontade que deve governar a Terra assim como governa o céu. Portanto, o projeto de Deus inclui a terra. O Protestantismo não criou um projeto para este mundo. A Reforma, que poderia ter sido a terceira síntese do Cristianismo, foi apenas uma cisão. Profetas como Erasmo de Rotherdan e Thomas Munzer tentaram, mas foram emudecidos pelo poder dos príncipes alemães. Apocalipse 20 fala de um Milênio que seria o governo de Cristo com os mártires na terra. Três correntes de interpretação surgiram: Os amilenistas que negavam o milênio dizendo que não se podia interpretar literalmente o Apocalipse, e que o milênio é apenas o governo de Cristo sobre a Igreja. Os pre-milenistas, conservadores, diziam que o milênio só acontecerá após a segunda vinda de Cristo. O hino 114 CC, de Gerônimo Gueiros, expressa muito bem esta corrente… Os pós-milenistas afirmavam que primeiro viria o Milênio, e só depois haveria a segunda vinda com o grande julgamento. Caberia a Igreja preparar o caminho do Milênio defendendo a justiça social e a paz do mundo. O auge dos pós-milenistas, com o Evangelho Social, aconteceu no final do século 19 quando se cria que poderíamos estabelecer o Reino de Deus na terra. A primeira e a segunda guerras mundiais, na primeira metade do século 20 foram pás de cal neste belo movimento cristão. A história humana é marcada pelo pecado e ambição. Mas permanece a vontade de Deus como meta: “Assim na terra como no céu”.
É o centro da nossa missão no mundo.
Um famoso rabino disse, num belo livro (Trazendo o céu à terra) que no início o céu era aqui na terra, mas nós o expulsamos, e que é nossa tarefa trazê-lo de volta. Tentar aproximar as leis dos homens das leis de Deus buscando a paz com justiça social e a defesa da vida no mundo. Nossa luta, diz Paulo, não é contra a carne e o sangue, mas contra os principados e potestades, isto é, contra o pecado sistêmico na religião, na política e na economia. Pequenos gestos de amor podem mudar o mundo. O escritor argentino Jorge Luís Borges, prêmio Nobel de literatura, cria nisso. Certa vez o levaram para conhecer o deserto do Saara no Egito. Ele, que era meio cego, pegou uma mão cheia de areia do deserto, andou dez passos, e jogou a areia dizendo: “Estou mudando o Saara”.
É o centro de nossas orações
O que queremos quando oramos é que a vontade boa, agradável e perfeita de Deus, seja feita em nossas vidas, em nossa igreja, em nossa família, da sociedade e em toda a terra. Orar não é tentar conformar a vontade de Deus com a nossa, mas é tentar conformar a nossa vontade com a vontade Dele. Não é levar alguma necessidade ao conhecimento de Deus. Ele já sabe de tudo, afirmou Jesus. É tomar consciência de nossas próprias necessidades e das necessidades dos outros e do mundo. Não é bíblica a oração impositiva que impõe a nossa vontade a Deus, mas é bíblica a oração atrevida como a de Abraão quando intercedeu por Sodoma: “Eu que sou pó e cinza me atrevo…”. Como a de Moisés intercedendo pelo povo no episódio do bezerro de ouro no deserto: “Se não perdoares este povo, então risca-me do livro que escreveste.” E Deus sorriu do céu… Ou ainda como o Apóstolo Paulo que desejaria ser anátema (maldito), separado de Cristo, se em troca os israelitas fossem salvos. É esse amor que move o mundo e o coração do Pai Nosso que está no céu.
O primeiro fiat, provocou o nascimento do mundo; o segundo o nascimento de Jesus Cristo; o terceiro, o nascimento da esperança; e o quarto, o nosso, o nascimento da santidade e da igreja sem a qual o RD não teria concretude histórica.
Sem o nosso fiat continuaria a haver sobre a terra uma zona de recusa, um elemento de desagregação, um germe de desordem, um diálogo interrompido, um silêncio inquietador, a sombra do caos. O nosso sim é uma das colunas do mundo. IL: A entrevista de Jesus no Céu. Nossa mensagem é de esperança: Há explicação para os mistérios do mundo… Não estamos sozinhos. Há uma vontade santa… A Trindade divina está envolvida: O Pai quer… O Filho veio… O Espírito foi derramado e intercede por nós com gemidos inexprimíveis. Há uma saída para a história de desmandos e acertos do homem… O Homem novo, O Novo Adão, surgiu no centro da história humana, e nos diz que a vontade de Deus pode ser realizada aqui…
– Oremos: “Faça-se a Tua vontade aqui na terra como no céu”