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DEUS, O INSONDÁVEL

Wilson Xavier Dias

Texto: Oséias 6:1-10

 

1 – Contextualização

Oséias profetizou há mais ou menos 2700 anos atrás, em meio a uma das diversas crises morais de Israel, o reino do norte, na época de Jeroboão II. Foi contemporâneo de Isaías e Miquéias, que profetizaram no reino do sul, Judá.

O Profeta previu um tempo de desgraça, de feridas, mas adverte que o Senhor os curaria. A certeza disso viria do conhecimento que se teria do Senhor. O conhecimento de sua natureza, sua personalidade, seu “modus operandi” , daria a segurança de que Ele resgataria o seu povo, tão certo como a alva vem toda manhã. O caráter de Deus era garantia que seu socorro era inevitável.  Mas para se ter essa certeza era necessário que se soubesse como Deus é. Era necessário conhecê-lo.

2 – “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor…”

Essa admoestação traz duas ordens distintas: conheçamos ao Senhor, e prossigamos em conhecer…

Normalmente esse texto é usado para incentivar- nos a termos uma comunhão constante com Deus, em procurar conhecê-lo continuamente, a criarmos intimidade com Ele. E, é claro, esse conhecimento deve produzir  efeitos em nós. A medida que conhecemos mais a Deus, somos impelidos e desafiados a sermos como Ele, a absorvermos suas virtudes e caráter. Ele nos mandou um padrão a ser seguido, uma forma de vida a ser buscada para se chegar perto de sermos o que Ele é: Jesus Cristo. Jesus é o nosso parâmetro, o nosso alvo mensurável. Ele é a expressão prática do caráter de Deus, aplicado à nossa realidade. Não podemos mais dar a desculpa de que não saberíamos aplicar a vontade de um Deus perfeito e infinito numa realidade imperfeita e limitada. Deus mostrou a possibilidade: Jesus Cristo. Ele pôde, nós podemos. Devemos imitá-lo. Cristo é o conhecimento de Deus aplicado à realidade. O conhecimento traz consequências. O nível de conhecimento que temos nos obriga a vivermos de acordo com ele. Em Filipenses 3:16 Paulo, falando da perfeição, diz que ainda não a alcançamos, mas devemos andar de acordo com aquilo que já alcançamos. Temos um desafio com aquilo que ainda não conhecemos, mas temos um compromisso com o que já alcançamos, e suas consequências.

Portanto, a primeira parte do versículo de Oséias é um desafio a um modo de vida, de acordo com o que já conhecemos de Deus.

Mas a segunda parte do versículo nos traz algumas ideias interessantes.

Esse texto e esse desafio foram escritos há mais de 2700 anos. E depois desse tempo todo buscando conhecer a Deus, podemos dizer que chegamos lá? Conhecemos a Deus em sua plenitude? Certamente que não. É evidentemente que a admoestação de Oséias continua atual, aplicável e igualmente desafiadora. Por quê? Porque Deus é infinito, inescrutável, insondável.

Muitas vezes usamos esses adjetivos para Deus quando queremos exaltar sua grandeza, seu poder, sua glória perante nós pequenos mortais, mas não nos damos conta das consequências dessas afirmações.

Se devemos prosseguir, num movimento contínuo e constante, de busca do conhecimento de Deus é porque, óbvio, ainda não O conhecemos plenamente e certamente nunca chegaremos nesse ponto. Nunca vamos chegar ao final, mas podemos sempre acrescentar algo novo. Deus se revela constantemente, caso contrário não nos desafiaria a isso, não nos abriria essa possibilidade.

Se podemos sempre acrescentar um novo ponto ao conhecimento que temos de Deus, é evidente que a imagem que fazemos dEle deve sempre mudar, para se adequar ao nosso novo nível de conhecimento.

Se temos essa consciência, devemos entender que a ideia atual que temos de Deus é imperfeita, parcial e temporária. Esse entendimento é uma necessidade ao desenvolvimento do homem em direção a Deus. Aquele que acha que sua ideia é a última, a certa, a definitiva, não está pronto a se aproximar de Deus.

Se aceitamos que nosso conceito de Deus é incompleto e imperfeito, também temos que aceitar que provavelmente incorremos em erros quando O definimos ou procuramos dizer como Ele é. Se não O conhecemos plenamente, procuramos preencher as lacunas do nosso conhecimento com aquilo que pensamos que Ele é, para atender nossa necessidade de lógica e coerência. Nesse exercício podemos errar, ”montar” um Deus diferente do que Ele é na realidade. Esse erro vai se corrigindo a medida que Ele vai se revelando e vamos substituindo as partes erradas pelos novos conhecimentos que adquirimos.

Podemos demonstrar isso, didaticamente, com a figura abaixo.

 

circulo

 

O círculo externo representa o limite do que Deus é na sua totalidade. Uma representação apenas didática, se aceitamos que Deus é infinito, ilimitado. O círculo interno representa o limite do nosso conhecimento de Deus. Montamos o nosso conceito, nossa imagem sobre Ele, baseado no que conhecemos dentro do pequeno círculo. Mas se Deus age usando um atributo ou característica do lado externo, ficamos desnorteados, não conseguimos explicar. Então nossa tendência é negarmos o acontecido como obra de Deus. Ou seja, se a realidade não se encaixa em nossa teoria, mudemos a realidade.

Essa, na realidade, é a oportunidade que temos de aprender mais de Deus, conhecer um pouco mais de sua natureza. E à medida que vamos incorporando esses novos conhecimentos, a figura de Deus vai mudando para nós.

A princípio isso parece que nos traz insegurança. Como vamos conviver com essa dualidade, de um Deus que vai se revelando, se alterando para nós e o conceito do Deus imutável, o mesmo ontem hoje e sempre, que temos? Não há conflito. Deus é o mesmo, age coerentemente com sua natureza. As explicações que damos às suas ações é que mudam, a medida que nosso conhecimento dEle se altera e a medida que nossa realidade, que também influencia nossa análise, se altera.

Perante essa realidade, o que precisamos fazer?

1 – Sermos insaciáveis

Somente com uma vontade constante de conhecer e continuar a aprender sobre Deus podemos chegar mais perto do entendimento de sua natureza.

A nossa perseverança vai gerar a intimidade, porque vai trazer mais conhecimento de Deus.

2 – Sermos humildes

Se temos a consciência de que o nosso conhecimento de Deus é parcial, passível de erro e mutável, devemos ter a humildade de reconhecermos que não somos os detentores da verdade absoluta, ou que Deus seja nossa propriedade exclusiva, ou ainda, que nossa concepção seja a única e a mais correta. Devemos ter a humildade de aprendermos com os outros, de entendermos as diversas formas que Deus usa para se revelar.

Quando colocamos Deus em uma forma, quando o enquadramos em padrões de comportamento ou  pensamentos que na realidade servem mais para justificar as nossas posições, estamos parando na caminhada e perdendo a oportunidade de nos aproximarmos mais, de aprendermos mais, de sermos mais parecidos com Ele. Em nome de verdades parciais, abrimos mão de aprendermos com a liberdade de Deus.

3 – Sermos atentos e sensíveis

Deus está se mostrando sempre, por isso nos exorta a continuarmos sempre no esforço de O conhecermos.

Porém devemos sempre estar atentos para as formas mais inusitadas e diferentes pelas quais Deus se revela. Às vezes Ele está no vento forte, as vezes, no fogo, as vezes num ventinho suave, as vezes fala por uma mula. São exemplos apenas para mostrar que não há padrão. Deus se revela nas oportunidades, e devemos estar atentos e sensíveis para perceber e aprender com essas oportunidades.

4 – Sermos abertos e flexíveis

Se nossa imagem de Deus deve se alterar sempre que o nosso conhecimento sobre Ele é alterado, não podemos ficar presos e sermos inflexíveis quanto às nossas posições em relação a Ele.

Devemos sempre ser coerentes, andar e vivermos de acordo com aquilo que já aprendemos de Deus, mas estarmos sempre prontos e preparados para mudarmos de posição, de incorporarmos visão nova e portanto adotarmos novos padrões de conduta, mais santos, mais humanos, mais misericordiosos, mais parecidos com Deus.

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