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JUSTIÇA E MISERICÓRDIA

Texto: Mateus 20:1-16

1 – Contextualização

Este texto insere-se em uma série de ensinamentos de Jesus que tratam de assuntos bastante práticos. No capítulo 19 Ele havia falado sobre a questão do divórcio e do casamento, do tratamento e respeito às crianças e sobre a questão das riquezas. Quando foi interpelado por um homem rico sobre as condições necessárias para entrar no céu, Jesus o confrontou com suas prioridades. Não bastava conhecer e cumprir os mandamentos se o que comandava o coração era outra coisa: o amor pela riqueza. Jesus não estava pregando o ascetismo. Para o jovem, deixar todas as riquezas simplesmente não seria suficiente, se isso significasse apenas uma barganha. Jesus não propôs uma barganha. Ele fez aquele desafio apenas para deixar claro ao jovem quem mandava em seu coração. Se o despojamento da riqueza significasse também um realinhamento de prioridades, se a riqueza passasse a ser instrumento ao invés de fim, aí, sim, o jovem teria direito ao céu.

Na sequencia Pedro, sempre Pedro, chama a atenção para o fato de que os discípulos abandonaram tudo para seguir a Jesus, e este reforça a promessa de que seriam recompensados, não simplesmente porque abandonaram tudo e  se tornaram mais pobres, mas porque fizeram isso por Ele. O valor está no despojamento, no significado que as posses passaram a ter na vida deles.

Nesse contexto Jesus conta a parábola dos trabalhadores na vinha. Para entendermos corretamente o texto não podemos perder isso de vista: o que estava em discussão era o papel das riquezas, ou das posses, na vida de cada um.

2 – A parábola

Um homem saiu ainda de madrugada a buscar trabalhadores para sua vinha. Ao encontrar alguns, combinou o trabalho e o salário: 1 denário, que era o salário justo para um dia de serviço, que supria as necessidades de um dia.

Ao sair às 9:00h da manhã, encontrou alguns trabalhadores sem serviço e chamou-os para trabalhar na mesma vinha, e garantiu-lhes um pagamento justo.

O mesmo aconteceu quando saiu ao meio dia, às três da tarde e às cinco: encontrou trabalhadores sem serviço e os chamou para trabalhar na vinha.

Ao final da tarde, chamou o administrador e ordenou que pagasse aos trabalhadores, começando pelos últimos contratados. A esses pagou um denário. Os outros logo ficaram animados: se os que trabalharam apenas uma hora ganharam um denário, claro que os que trabalharam o dia todo iriam ganhar mais. Mas qual não foi a surpresa ao constatarem que todos ganharam a mesma quantia. Daí veio a revolta. Aos seus olhos a situação não era justa. Quem trabalhou mais deveria ganhar mais. Ao que o dono da vinha redarguiu que não havia injustiça. Ele cumprira exatamente o que havia sido combinado e a ele cabia a escolha de pagar o quanto quisesse aos outros.

 

3 – Justiça e  misericórdia

Mas e nós, o que achamos? Hoje é fácil tomarmos posição, saber do lado de quem devemos ficar, mas se fôssemos um daqueles trabalhadores, será que entenderíamos a situação da mesma maneira? Aos nossos olhos realmente não parece uma situação injusta?  Qual a diferença entre o ponto de vista do dono e dos trabalhadores?

Os trabalhadores viram a situação com o que eu chamaria de olhos de sindicalista: o que cada um recebe deve ser proporcional ao quanto trabalhou. O interessante é notar que o que receberam não era injusto ou explorador, era o valor normal de um dia de trabalho, tanto que não reclamaram quando aceitaram o serviço. Passou a parecer injusto quando se compararam aos outros. Na comparação se sentiram injustiçados. A questão é que não acharam que ganharam pouco, mas sim que os outros ganharam muito. Se o dono tivesse começado a pagar por eles e ao final pagasse um doze avos aos últimos trabalhadores, não haveria reclamação, teria sido justo.

Mas, onde está a diferença entre os dois pontos de vista, do dono da vinha e dos trabalhadores?  Enquanto os trabalhadores viam a situação com os olhos de sindicalista, do valor do mereciam receber, o dono via com os olhos da necessidade, o quanto cada um precisava. Se um denário era o salário suficiente para atender um dia do trabalhador, não adiantaria ele receber menos do que isso, mesmo que tivesse trabalhado menos: suas necessidades não seriam supridas. Enquanto os trabalhadores entendiam a justiça como quanto cada um merecia receber, o dono media o quanto precisaria dar. Era basicamente uma diferença entre modos de encarar a vida. E o que poderia causar essa diferença, ou provocar uma mudança nesses dois modos de ver? A misericórdia.  A misericórdia é o único sentimento que pode trazer lógica a essa situação de aparente injustiça e desigualdade. A misericórdia inverte a visão. Não lutamos mais pelo quanto merecemos receber, mas sim pelo quanto devemos dar para atender a necessidade do outro. Essa visão se encaixa perfeitamente  no contexto em que isso aconteceu: a visão do dar, do se desprender, era o que faltava ao jovem rico. Mesmo os discípulos ainda não haviam entendido isso perfeitamente. Enquanto um pouco antes Pedro houvera sido elogiado por declarar que eles haviam deixado tudo para seguir a Jesus, logo em seguida Tiago e João vieram pedir a Jesus lugar de destaque no Reino do céu, como recompensa por suas atitudes.

A misericórdia não anula ou contraria a justiça, ela a supera. Ela garante a justiça, mas sob outro ponto de vista, sob outro prisma. Pela lógica do Reino não se deve preocupar pela igualdade ou proporcionalidade do que se recebe, o que seria simplesmente justo, mas pelo quanto se precisa doar para que as necessidades do outro sejam atendidas, o que é misericordioso.

Wilson Xavier Dias

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