Ética e Espiritualidade
ÉTICA E ESPIRITUALIDADE
Pastor Tarsis Wallace
A razão de ser de eventos como este, a razão de ser da existência de ONG´s como a Greenpeace, a razão de ser da criação de partidos políticos como o Verde e da produção de filmes documentários em defesa do ecossistema, leva-nos inevitavelmente a considerar as questões básicas da ética. De início, é importante fazermos uma distinção entre ética e moral para que as causas que queremos defender tenham ordenamento objetivo e efeitos práticos. Porque ambas, são ferramentas indispensáveis na luta pelo equilíbrio da vida neste jardim chamado Terra tão abusivamente maltratado pelo ser humano.
(1) MORAL – vem de mores, que significa costumes. Moral é a ciência dos costumes. E estes estão ligados a um universo cultural mais limitado, a hábitos e comportamentos peculiares a determinadas regiões, comunidades etc… A moral é mais particular e é assim porque se origina na família onde os conceitos de certo e errado são primeiramente ensinados. É por isso que os pais como primeiros mestres na arte de educar bem os filhos precisam aproveitar todas as oportunidades, inclusive alguns de seus próprios deslizes de adultos como via pedagógica, para ensinar-lhes como devem ou não agir em determinadas situações. Porque as sementes da ética, na verdade, são semeadas no berço familiar na medida em que as crianças vão se familiarizando com os conceitos de bem e mal, bom e ruim, correto e incorreto, justo e injusto.
ILUSTRAÇÃO – Certa ocasião um amigo foi com sua pequenina filha fazer compras num supermercado. Após colocar todas as coisas alistadas no carrinho dirigiu-se ao caixa para fazer o pagamento, entrando numa fila. A pedido da pequenina ele havia comprado uma caixa de chocolate e naquele momento ela pediu-lhe que a abrisse porque queria comer um deles. O pai disse-lhe que não seria possível, somente depois que pagassem e passassem para o outro lado do caixa. Explicou-lhe que era uma determinação da loja e ela aceitou sua palavra sem maiores questionamentos.
Na semana seguinte, no mesmo supermercado, lá estavam os dois. Outra vez aguardavam na fila o momento de pagar as compras no caixa. O sistema de refrigeração havia sofrido uma pane e estava fazendo muito calor dentro da loja. Foi então que meu amigo ao olhar para o carrinho viu uma caixa de uvas coberta apenas com o plástico protetor. Não pensou duas vezes, furou o plástico com o dedo e tirou uma uva para chupar. Quando ia colocá-la na boca seu olhar incidiu sobre o de sua filha. Ela olhava-o fixa e firmemente sem lhe dizer nada mas seu olhar questionava toda a incoerência dele. Como bom educador, ele repôs a uva na caixa, desculpou-se com ela, disse-lhe que estava errado e que certo era o que lhe havia dito na semana anterior. A um só tempo ensinou-lhe acerca de moral e também alguma coisa de ética.
(2) ÉTICA – Ela ultrapassa as questões da moral. Com a ética o ser humano assume a conduta justa e o modo correto de se relacionar com o todo da vida, pois somente ele, como animal racional, se constitui num ser ético na criação. Ética vem de Ethos, que significa habitat humano, eé a condição que adquirimos para agir de forma responsável no equilíbrio da conduta com os outros e com o mundo que nos rodeia, a fim de conseguirmos viver numa atmosfera saudável de justiça, solidariedade e paz.
A ética possui caráter universal, embora, como animal racional o ser humano sempre encontre um jeito de racionalizar seus princípios e valores. O que acontece muito mais cedo do que imaginamos, ainda no universo infantil mais tenro como neste episódio acontecido comigo.
ILUSTRAÇÃO – Certa feita eu estava no meu gabinete pastoral num domingo pela manhã no horário em que funcionam as classes da Escola Bíblica Dominical na Igreja Batista da Graça, em Salvador. A comunicação do térreo com o primeiro andar era feita por uma sólida escada de madeira. De repente ouvi o barulho de alguém descendo os degraus e pisando forte na madeira. Corri para a porta e me deparei com o sorriso maroto de uma garota de quatro anos que tinha uma grande afinidade comigo. Então lhe disse: “Mas você, fazendo esse barulho todo ?” Ele saiu-se com esta: “Não fui eu não pastor, foi meu sapato !”
Grande parte do drama ecológico que nos atemoriza atualmente é fruto também da racionalização dos princípios e valores éticos. Prova disso é o fato de estarmos sendo vítimas de uma ética utilitarista e antropocêntrica que predomina na cultura pós-moderna. Para o ser humano dos nossos dias tudo deve girar em torno dele como se fosse ele a medida absoluta de todas as coisas.
Por isso, uma nova ordem ética precisa surgir para desbancar o antropocentrismo que tem deteriorado o equilíbrio ecológico. É necessário criar uma ética ecocêntrica (Leonardo Boff) a fim de resgatar a aliança rompida entre o ser humano e a natureza. É bom sabermos de saudáveis tradições culturais que deixaram marcas de compromisso com a vida e o viver de forma exemplar, como por exemplo o Budismo e o Hinduísmo no Oriente, e Francisco de Assis, Arthur Schopenhauer, Albert Schweitzer e Chico Mendes no Ocidente. Eles desenvolveram uma extraordinária ética de compaixão universal.
“Ética”, definiu um autor, “significa a ilimitada responsabilidade por tudo o que existe e vive”. Sendo assim, o bem-estar que se busca não pode se resumir no bem comum do ser humano, mas no bem da natureza como um todo. ”O ser humano vive eticamente quando renuncia estar sobre os outros para estar junto com os outros”. Os crimes ecológicos são uma prova de que isso não está acontecendo, mas podemos começar a mudar esse comportamento através de alguns exemplos simples.
ILUSTRAÇÃO: ESTRELAS-DO-MAR
Era uma vez um escritor que morava em uma tranquila praia próxima a uma colônia de pescadores. Todas as manhãs, ele caminhava à beira do mar para se inspirar. À tarde, renovado de ideias, ficava em sua casa escrevendo. Certo dia, na praia como de costume, ele viu um vulto distante, que parecia dançar. Curioso, aproximou-se e reparou que se tratava de um jovem que recolhia as estrelas-do-mar, uma por uma, para devolver ao oceano. Não se conteve e perguntou:
– Por que está fazendo isso ?
– Você não vê ?”. Explicou o jovem: – A maré está baixa, e o sol brilha com intensidade. Dessa forma, as estrelas vão secar e morrer caso permaneçam na areia.
O escritor espantou-se e disse:
– Meu jovem, existem milhares de quilômetros de praia por este mundo de meu Deus e centenas de estrelas-do-mar espalhadas pela praia. Que diferença faz ? Você joga umas poucas de volta ao oceano, porém a maioria vai perecer de qualquer forma.
O jovem, indiferente aos argumentos do escritor, pegou mais uma estrela do mar e jogou de volta ao oceano. Em seguida olhou para o escritor e respondeu:
– Para esta aqui eu fiz a diferença.
Naquela noite, o escritor não conseguiu escrever, nem sequer dormir. Pela manhã voltou à praia, procurou o jovem e uniu-se à ele. Juntos começaram a jogar estrelas-do-mar de volta ao oceano.
(3) ESPIRITUALIDADE – Porque a espiritualidade também entra em cena ? Primeiro, porque a palavra espírito em seu sentido original não é algo distinto do corpo. Ela expressa a totalidade do ser humano com sua energia, força, sentido etc. Espiritualidade significa viver de acordo com a dinâmica profunda da vida como um todo. Assim, não faz sentido uma espiritualidade divorciada da vida. Espiritualidade é a comunhão da criatura com o Criador expressa também através da comunhão da criatura com a criação. Segundo, pelo fato de não sermos somente um animal político como disse Aristóteles mas também um animal religioso. A antropologia e a sociologia da religião nos revelam que não há agrupamento humano que não tenha sua expressão de religiosidade; que não tenha sede de transcendência.
E esta mesma religiosidade pode estar presente também no mais refinado grupo de cientistas que lida unicamente com a razão. “O grupo de cientistas de Princeton e Pasadena que buscam uma reaproximação entre ciência, filosofia e religião, autodenominando-se ambiguamente ‘neognósticos’, sustenta como tese fundamental de sua basic cosmology, que o mundo é dominado pelo Espírito e é feito pelo Espírito” (A Gnose de Princeton – R. Ruyer – Cultrix-SP – 1989)
Ainda a espiritualidade está presente naqueles que refutam a religião vendo-a como “ópio do povo” e a criticam duramente por uma série de razões, algumas com sentido.(Aliás, pensa-se que a expressão “a religião é o ópio do povo” é original de Karl Marx, mas não é verdade. Ela já havia aparecido antes em escritos de Hegel (1843) Immanuel Kant, Herder, Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer, Moses Hess e Heinrichh Heine. Também o Reverendo Carlos Kingsley, na mesma época, havia feito a crítica religião como uma droga que aliena. Todavia, muito antes de todos estes a duríssima crítica à religião como “ópio do povo” já estava presente de forma mais objetiva e contundente no profeta Isaías, capítulos 1 e 58, entre 740-690 antes de Cristo, ou seja há 2.700 anos mais ou menos).
Quem ler com atenção e estudar respeitosamente, sem passionalismo fundamentalista, os textos contemporâneos de Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Sam Harris, Daniel Dannett e Michel Onfray, maiores expressões intelectuais do ateísmo contemporâneo perceberá o mesmo sentimento. Na verdade, há uma fome do verdadeiro Deus em todos eles. E o Deus em quem dizem não crer é um Deus professo por uma grande parte dos segmentos ditos cristãos e também não-cristãos que não os fascina, não os encanta nem os atrai (nem a muitos de nós, com certeza). Por isso, faz muito sentido um dos números da Revista Teológica Concilium dedicada à reflexão sobre o ateísmo contemporâneo intitulada “Ateístas, de qual Deus ?”
Para muita gente, a imagem deteriorada de quem é Deus começa na infância e muitas vezes, no lar. Pedro Bloch conta uma história que lhe foi partilhada por uma mãe num episódio com seu filho ainda criança.
“Ela estava na sala fazendo alguma coisa e seu filhote subiu na mesa e ficou lá, brincando. Vendo que ele poderia cair, ordenou-lhe: ‘Meu filho, desça logo daí se não você cai’. Como criança nunca atende a partir do primeiro alerta ele continuou brincando sobre a mesa. A mãe insistiu numa segunda palavra de alerta semelhante à primeira e o garoto continuou repetiu a atitude de indiferença. Na terceira vez ela apelou para a ignorância: ‘Meu filho desça daí se senão papai do céu castiga’. E o garoto continuou brincando sobre a mesa. De repente ele escorregou e caiu ao chão reagindo assim: ‘Ô, mas esse Deus nem espera, vai logo derrubando a gente’ “.
Deus não é aquele que nos derruba, é aquele que nos ergue, nos ampara, nos sustenta, é solidário e cúmplice em nosso desejo de sermos melhores do que somos.
É interessante lembrar que no final do século passado apregoou-se o fim da religião. Dizia-se que o avanço da ciência e da tecnologia adquiriria tamanha proporção e traria tamanho bem-estar e segurança aos seres humanos, que a religião não seria mais necessária, seria apenas um subproduto dos fracos no esplendor da Idade da Razão. Assim pensavam os filósofos, os sociólogos e até os teólogos cristãos. O Dr. Harvey Cox, renomado teólogo batista escreveu sobre isso na sua famosa obra A Cidade Secular. Só que, há uns quinze anos surgiram mais de cem mil novas religiões no cenário mundial contrariando todas aquelas previsões de meados do século XX. Harvey Cox reconheceu o erro dos prognosticadores dos quais fazia parte e escreveu outra obra: Fire From Heaven (Fogo do Céu). Os horizontes finitos da razão não conseguiram saciar a fome e a sede do animal religioso pelo Sagrado. Então ele olhou novamente para o alto em busca de respostas que viessem da eternidade para socorrê-lo em suas angústias temporais. A espiritualidade, portanto, não pode ficar fora das reflexões e discussões que têm a ver com a defesa do planeta, pois em pleno esplendor da “civilização do conhecimento” ela explode nos quatro cantos do mundo.
Quando em 20 de julho de 1969 a Apolo XI pousou na lua pela primeira vez, os astronautas deixaram lá uma placa com o Salmo 8 do Primeiro Testamento que diz assim num de seus versos: “Quando contemplo os teus céus obra de tuas mãos, a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem para que te lembres dele ? e o filho do homem que o visites ?” (Salmo 8:3-4). Além de outros textos alusivos à natureza o saltério contém um Salmo literalmente ecológico: o 104.
Quando estamos grávidos de desejos que estão acima de nossas forças e possibilidades é sinal de que a espiritualidade está exigindo atenção. O animal religioso está faminto por algo que lhe transcenda. Espiritualidade é uma palavra que não se encontra explicitamente, por exemplo, na Bíblia Sagrada mas domina todo o universo bíblico. Na verdade, a Bíblia é uma fantástica biblioteca de espiritualidade que orienta o ser humano a viver com qualidade a vida como um dom precioso do Criador, e a cuidar do jardim que recebeu como cenário de sua aventura no planeta, um patrimônio que exige atenção contínua para sua preservação.
É bem verdade que evoluímos muito em várias dimensões da vida. Mas será que vivemos hoje uma realidade superior à vivida por Albert Camus, por exemplo, que diagnosticou o século XX como “o século do medo” em sua obra Cartas a Um Amigo Alemão ? O século XXI é o “século da depressão” onde o “demônio do meio-dia” (apelido criado no ambiente da ciência do comportamento para se referir à ela), inferniza as vidas de milhões de seres humanos dominados pelo espectro do “medo líquido” (Bauman), da “síndrome do pânico”, da “agorafobia” etc… Não está fácil viver na vertigem do fim de uma era nessa velocidade movida a agonia e êxtase contínuos, enquanto se aguarda o tempo da subida para outra era sob o impulso de outras energias.
O desequilíbrio crescente do ecossistema é um problema que exige uma solução emergencial. Porque “de um discurso regional como subcapítulo da biologia (Ernst Haeckel 1834-1919, biólogo que criou o termo) a ecologia passou a ser atualmente um discurso universal, quiçá o de maior força mobilizadora do futuro milênio”, afirmou Leonardo Boff há quinze anos (1999) no livro Ética da Vida, no capítulo “Para Onde Vai a Ecologia” ? É bom estarmos cada vez mais atentos e conscientes de que as agressões sistemáticas à natureza produzem respostas imprevisíveis em proporções que já não podemos imaginar devido ao efeito cumulativo dos males que lhe temos feito, impossíveis de serem mensurados. O resultado são as catástrofes naturais, efeitos secundários de causas primárias produzidas pelo “satã da terra”- o ser humano (Leonardo Boff).
Diante de catástrofes naturais, principalmente com vítimas fatais, há sempre um movimento para se culpar a Deus sem que primeiro se avalie minuciosa e profundamente que causas produziram tais efeitos. Há alguns anos no antigo programa de televisão da TV Educativa, “Sem Censura”, dirigido à época por Lúcia Leme, a temática de uma das tardes foi sobre as últimas chuvas torrenciais daqueles dias que provocaram muitos desabamentos e mortes no Rio de Janeiro, atingindo todas as classes sociais. Começou a se formar um consenso entre os convidados do programa responsabilizando a pessoa de Deus pelas tragédias. Mas fazia parte do grupo de entrevistados uma engenheira florestal que pediu a palavra e disse em síntese: “Eu não sou religiosa, não pertenço a nenhuma confissão de fé, mas acho bom vocês deixarem Deus fora desse episódio. Já choveu muito mais que isso em várias outras oportunidades e não aconteceu absolutamente nada. A precipitação pluviométrica de agora foi menor do que nas outras ocasiões. Então, por que ocorreu a tragédia ? Quem é o responsável por ela ? Nós, seres humanos, que devastamos a mata atlântica. A região mais atingida foi a região onde se desmatou mais”. Não houve contra argumentação. Todos silenciaram e passaram a debater outro assunto ! Quanto mais matamos a mata mais a mata nos mata.
Creio que a “solução” para o drama ecológico que nos envolve como aldeia global não é fácil mas também não é impossível. Ela deve começar com a reeducação dos mal-educados e a educação daqueles que estão chegando para viver sua aventura na vida. Pois não temos o direito de legar a estes últimos um “mundo cão” mas um “mundo são”. Encontraremos mais dificuldade e mais resistência na reeducação dos adultos. Esta idade é sempre mais complexa pois implica em desaprender o errado para aprender o certo; ou tomar consciência de uma realidade nova, tardiamente. Mudanças são sempre mais complexas para quem já viveu mais. Onde teremos mais sucesso e um mínimo de resistência será na educação das crianças. A sabedoria do Primeiro Testamento da Bíblia reforça esta proposta quando diz “educa a criança no caminho em que deve andar e até quando envelhecer não se desviará dele” (Provérbios 22:6). Nesta faixa etária o lar e a escola são a ambiência adequada para uma primeira tomada de consciência.
De qualquer forma a solução passa pela arte de educar com sabedoria. Qual a trilha que este tipo de educação percorre para formar um ser humano consciente do que é a vida no seu todo ? A verdadeira educação é fluição do educador que produz fruição no educando. Pela força ninguém educa, apenas impõe e condiciona o outro pela coação e pelo medo. Na verdadeira educação não existe pressão nem imposição mas expressão e exposição. A pressão cria resistência e o estigma do dever, a expressão cria desejo de conhecer pela sedução do prazer. Educar é seduzir com sabedoria, ou seja é encantar o aprendiz. Na educação a água da sabedoria sai da fonte e flui para o peregrino sedento do conhecimento. A trilha seria esta: Exemplo–informação-formação-ciência-consciência-eficiência-eficácia. Aprende-se primeiro através da apreensão do que o mestre é, e, a seguir, do aprendizado que ele transmite. O ensino é uma fluição de coerência, por isso nem todos os que tentam ensinar são mestres. O verdadeiro mestre é mais do que um técnico numa matéria, é um expert em vida.
É a partir dessa conjugação da moral (cujo berço é a família), da ética (cujo espaço de formação é a escola) e da espiritualidade (que pode ter origem na família, sua continuidade na escola e sua expressão maior na religião) que podemos construir objetivamente estratégias de menor, mediana e maior influência de consciência ecológica, para não somente impedir o avanço da degradação do planeta, mas para nos devotarmos a preservá-lo criativamente como parte do nosso legado às próximas gerações. Quem não cuida bem de sua casa é um mal-vivente.
Com quem aprendemos essas coisas ? Com Aquele que é considerado o Mestre dos mestres. Para identificar Jesus como Mestre os Evangelhos usam quatro palavras: “Rabi ou Raboni, didáskalos, epistáta e kathêgethês”. Com sua qualidade de vida e ensinando através de pequenas histórias (parábolas) e curtas comparações ele encantava seus discípulos e seus ouvintes em geral. Deixava com eles a decisão de segui-lo ou não, ou seja, ensinava dando liberdade para as pessoas pensarem e fizessem sua opção literalmente pessoal. No geral a reação era de encantamento: “ele ensina como quem tem autoridade e não como os doutores da lei e o fariseus” (“Não é fácil ensinar porque é difícil ser lição”, disse certa feita Dom Avelar Brandão Vilela numa de suas homilias). Mas as pessoas disseram mais sobre Jesus: “ninguém jamais falou como este homem”; “ele faz tudo esplendidamente bem”.
Quem nos ajuda decisivamente na definição da compreensão dos fatos para o exercício da dinâmica dos atos, também no contexto da luta pela salvação do planeta, é o saudoso mestre Paulo Freire. A palavra com a qual ele nos inspira e que cai como uma luva para essa ação salvadora e preservadora é conscientização, que significa estar ciente e consciente para ser eficiente e eficaz. O exemplo é o alicerce, a ciência é a informação, a consciência é a formação, a eficiência é a organização (o planejamento), a eficácia é a ação.
A orientação do Criador com relação à nossa vida no planeta a partir das origens foi a de zelarmos pelo jardim. Quando tudo está criado Ele abençoa e diz aos seres humanos: “Sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra e sujeitem-na; dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra” (Gênesis 1:28).
Os verbos “sujeitar e dominar” significam cuidar, zelar, ter atenção, desvelo, carinho. Parece que entendemos o contrário. Por isso precisamos da metanóia, da mudança radical de mentalidade para andar na direção inversa e investir tudo o que somos e temos na salvação do jardim. Precisamos reverter o que é doentiamente endêmico em saudavelmente edênico.
E aí os ismos religiosos ou seculares que nos separam deixam de ter significado primeiro, pois todas as tradições religiosas têm sua relação com o cosmos e podem dar grandes contribuições. É só analisarmos a Regra Áurea comparativamente nas diferentes culturas religiosas.
Por isso, não basta ter as informações necessárias sobre tudo o de negativo que se faz contra o jardim nem de tudo o que se pode fazer de positivo a seu favor. Tudo isso é acolhido pela razão e se abriga na mente, e, como temos visto tem sido insuficiente. É preciso chegar ao coração, tocar a sensibilidade a fim de despertar à paixão pela vida como refletiu tão brilhantemente o teólogo Jurgen Moltmann. Mas bem antes dele, Dostoiévsky já havia dito que “é preciso amar a vida mais que o sentido da vida”. É a paixão pela vida que nos liberta da apatia, da acomodação e nos faz acompanhar as rimas da poesia de Robert Frost em cuja lápide podemos ler: “Aqui jaz um homem que teve um caso de amor com a vida”. E despertar para a salvação do jardim animados e inspirados por outro poeta, William Blake:
“Ver um Mundo num Grão de Areia
E um Céu numa Flor Silvestre.
Ter o Infinito na palma da sua mão
E a Eternidade numa hora”
ILUSTRAÇÃO – O Beija-flor e o Incêndio na Floresta
Houve um grande incêndio na floresta. As chamas se elevavam a uma enorme altura e as árvores começavam a ser pouco a pouco destruídas pelo fogo. Os animais, apavorados, corriam em busca de abrigo, fugindo desesperadamente da catástrofe. Enquanto isso, um pequenino beija-flor voava velozmente até o rio, pegava no minúsculo bico uma gota de água e trazia-a até a borda da floresta, deixando-a cair sobre as chamas.
Observando o vai-e-vem da ave, uma coruja velha e ranzinza que ia passando por ali perguntou-lhe:
– O que você está fazendo, beija-flor ?”
– “Não está vendo”, respondeu ele, “estou trazendo água do rio para apagar o incêndio antes que ele destrua toda a floresta”.
– Você deve ser maluco – disse a coruja. – Não está vendo que é impossível apagar esse incêndio enorme com essa gotinha de água ?
– Sei disso – disse o beija-flor. – Estou apenas fazendo a minha parte.
Há fogo na floresta global, há risco de morte devido ao seu avanço devastador das chamas da alienação, da indolência e da acomodação. O crepitar das chamas apavora.
Pensando com o coração ecológico alguém deu um outro desfecho a está fábula.
“Era uma vez um Beija-Flor que fugia de um incêndio juntamente com todos os animais da floresta. Só que o Beija-Flor fazia uma coisa diferente: apanhava gotas de água de um lago e atirava-as para o fogo. A águia, intrigada, perguntou: – “Ô bichinho, achas que vais apagar o incêndio sozinho com estas gotas?” – “Sozinho, sei que não vou”, respondeu o Beija-Flor, “mas estou fazendo a minha parte”.
Envergonhado, a águia chamou os outros pássaros e, juntos, todos entraram na luta contra o incêndio. Vendo isto, os elefantes venceram seu medo e, enchendo suas trombas com água, também corriam para ajudar. Os macacos pegaram cascas de nozes para carregar água. No fim, todos os animais, cada um de seu jeito, acharam maneiras de colaborar na luta. Pouco a pouco, o fogo começou a se debilitar quando, de repente, o Ser Celestial da Floresta, admirando a bravura destes bichinhos e comovido, enviou uma chuva que apagou de vez o incêndio e refrescou todos os animais, já tão cansados – mas felizes…
Que possamos todos nós ter a coragem de fazer a nossa parte e a solidariedade de trabalhar juntos – na fé de estarmos abertos para as bençãos do Sagrado…
Nesta outra versão, quando o beija-flor disse: “Estou apenas fazendo a minha parte !”, a frase ganhou vida e se transformou em movimento de preservação, solidariedade e salvação.
Quando questionada por alguém sobre o maravilhoso trabalho que fazia solidariamente em favor dos pobres e miseráveis diante do todo problemático da humanidade, Madre Teresa de Calcutá respondeu assim:
” O que eu faço é uma gota no meio de um oceano. Mas, sem ela, o oceano será menor.” (Madre Teresa de Calcutá)
Alimento a expectativa de que o incêndio seja debelado. Já temos beija-flores e outros solidários da fauna. Precisamos de mais, de gente que pensa e age. Por isso, enquanto arregaço as mangas junto a vocês nesse combate às diferentes chamas que incendeiam o jardim, alimento uma esperança especial inspirada na mente brilhante de Gabriel Marcel, filósofo existencialista cristão do século XX:
“Esperar é trazer em mim a certeza íntima de que, quaisquer que possam ser as aparências, a situação intolerável que é presentemente a minha não pode ser definitiva, deve comportar uma saída”
Vale à pena pensar e agir como Teresa de Calcutá:
” O que eu faço é uma gota no meio de um oceano. Mas, sem ela, o oceano será menor.”
Muito Obrigado !