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O Manual de guerrilha do Reino

*Wilson Xavier Dias

Texto base: Mt. 5:1-16

I – Contextualização

Jesus estava reunindo seus discípulos, começando a criar a estrutura mínima do seu ministério. No Sermão do Monte, nos capítulos 5, 6 e 7 de Mateus, Ele lança as bases do Reino e do seu ministério. Assim como numa lei o caput de um artigo declara o assunto, e o os parágrafos seguintes detalham sua aplicação, no Sermão do Monte Jesus declara os valores do Reino, que nortearão todo seu ministério.

No início do Sermão Jesus já mostra a situação de tensão que o cidadão do Reino vive.  Cada característica da personalidade do cristão é fonte de tensão com o mundo atual. As bem aventuranças representam uma lista de contradições entre os valores que seriam naturais do Reino e próprio de seus súditos e o conflito com a realidade atual.

A opção pelo Reino significa, naturalmente, uma opção pelo conflito e pelo confronto.

 

II –  O verdadeiro sentido das bem aventuranças

À primeira vista, as bem aventuranças sugerem que os cristãos seriam um povo sofredor, passivo, resignado, masoquista e que, mansamente, suportariam as perseguições aguardando o Reino futuro, onde então não haveria quem incomodasse suas vidas pacatas. Porém uma visão um pouco mais profunda mostra que as bem aventuranças não descrevem uma situação de conflito de idéias, mas de estilos de vida. Os cristãos verdadeiros são  perseguidos não porque pensam diferente ou tem valores diferentes, mas porque vivem diferente, porque já vivem hoje, antecipadamente conforme a Constituição do Reino, o que inevitavelmente gera o confronto. E isso é uma proposta revolucionária. A perseguição e a dor não são os sinais da fidelidade, são as consequências. Não as buscamos, como masoquistas, mas se para vivermos o Evangelho tivermos que enfrentá-las, que venham.

As bem aventuranças não são mandamentos para sermos, são conforto para os que já são. Aqueles que ousam ser cidadãos do Reino sentirão a tensão dos dois reinos. O Sermão do Monte é o manual da guerrilha  dos cristãos.  Ele ensina como os cidadãos do Reino devem viver, para preparar vinda em plenitude do Reino de Deus. Ele nos diz que a solidão da luta não é abandono, mas a etapa necessária para a implantação da nova ordem. E que as características que hoje nos parecem fraquezas são, na realidade, a antecipação do Reino, e por isso parecem tão ameaçadoras e revolucionárias.

 

III – As bem aventuranças

As bem aventuranças mostram algumas características dos cristãos, que normalmente trazem tensões com o modo de viver do mundo atual, e procuram trazer conforto, mostrando como será o lugar dessas virtudes no Reino futuro.

– Os humildes de espírito – Aqueles que têm consciência da necessidade que têm dos outros, que reconhecem seus limites e sabem que necessitam dos outros para viver. Eles têm muito clara a noção de coletividade.

– Os que choram – Os que sentem muito fortemente a contradição entre os valores dos dois reinos.

– Os mansos – Os que se dão pelos outros porque sabem que no Reino se compartilha, não se acumula.

– Os que têm sede e fome de justiça – Talvez sejam os mais “esquisitos”. Ter sede e fome de justiça, da justiça do Reino, significa buscá-la já e vivê-la por antecipação.

– Os misericordiosos – Os que se identificam com a dor alheia, que entendem a dor do outro, que sofrem junto.

– Os limpos de coração – Os que estão em sintonia com o coração de Deus, que não se deixam contaminar pelos valores do reino atual.

– Os pacificadores – Os que pregam a paz, a concórdia, a tolerância e a paciência.

– Os perseguidos por causa da justiça – Os que sabem o preço da justiça do Reino e estão dispostos a pagar esse preço.

As bem aventuranças não são um incentivo à passividade e à resignação. São um convite à guerrilha. É um convite a minar as bases do estado atual, mostrando e vivendo antecipadamente o que está por vir. Mostrar que por mais esquisito ou estranho que possa parecer a maneira de viver dos súditos do novo Reino, é assim que todos viverão, e que já é possível viver assim hoje.

Todos os “bem aventurados” são pessoas que já vivem assim. Que dão o exemplo. Por isso são perigosas e por isso podem sofrer perseguição. Não existe atitude mais revolucionária do que o exemplo.

 

IV – O sal e a luz do mundo

Jesus disse que somos o sal da terra e a luz do mundo. O que isso significa? Quais as características e funções do sal? Como ele age? O sal tem as funções de temperar e preservar, proteger contra a degeneração. O sal não dá sabor aos alimentos, ele revela e potencializa o sabor. Ele mostra o que está ali, mas não aparece. Quando chega a aparecer não cumpre o seu papel, estraga o sabor. Assim também os cristãos devem revelar o “gosto” do Reino na insipidez do mundo. Mostrar que a matéria prima do mundo é a Palavra e o Amor de Deus, e que este, apesar do pecado, ainda possui indícios da mão de Deus, do “sabor” do Reino. Cabe a nós revelá-los.

O mesmo acontece com a luz. Ela não cria a beleza, ela mostra, revela a beleza.

Para agir corretamente o sal e a luz, não devem saturar ou se concentrar em um só lugar. Se pegarmos a quantidade certa de sal para temperar uma comida e o colocarmos em um saquinho de plástico e jogarmos na panela, apesar da quantidade ser a certa ele não produzirá o resultado correto. Ele deve se misturar, se dissolver, alcançar todos os pontos, para que a comida tenha o sabor agradável. Da mesma maneira se concentrarmos toda a luz necessária para iluminar uma casa em apenas um cômodo com certeza o resultado não será o esperado. O cristão também, para cumprir sua função de sal e luz, deve se misturar, se dissolver no mundo, não assumindo seu gosto, mas mostrando o gosto agradável e saboroso do Reino, ou a beleza do mesmo, inerente e ainda existente no mundo criado por Deus.

 

V – Conclusão

Aqueles que entendem e procuram viver o Reino já e aqui, enfrentarão com certeza, os problemas, as tensões e a adversidade resultantes dessa opção. Mas o manual de guerrilha do Reino nos anima e nos dá esperança, e nos dá a certeza que apesar de tudo, o Reino vem, com certeza, e que por mais estranhos, esquisitos ou perigosos que possamos parecer agora, lá seremos apenas cidadãos comuns.

*Wilson Xavier Dias é engenheiro e membro da ICB. Este estudo bíblico foi apresentado no domingo 13/02/2011 na Igreja Cristã de Brasília.

 

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