SANTIFICAÇÃO
Sermão: A SANTIFICAÇÃO (1) – 1 Tess. 4:3 e 7
Pastor Julio Borges Filho
Duas experiências essenciais em minha vida me levaram a refletir sobre a santificação, e tenho um amigo, o Pastor José Carlos Torres, que não me deixa esquecê-la porque todas a vezes que o encontro ele me diz: “Toda igreja deveria ser uma fábrica de santos.”
A primeira experiência foi uma experiência de morte em Guarapari,ES, no dia 22 de julho de 1996. Fui passar uma semana com um casal amigo que tinha sido minhas ovelhas em Ilhéus e Brasília. Eles alugaram uma boa casa na praia de Santa Mônica e viviam me convidando para passar uma semana lá. Viajei de ônibus sozinho e fui recebido festivamente na rodoviária de Vila Velha. Eles me colocaram numa suíte no primeiro andar cercada de uma imensa varanda. Um dia, após assistir a derrota do Brasil para Argentina no basquete masculino nas Olimpíadas, subi, tomei um banho e preparei-me para dormir. Não sei quanto tempo se passou, mas algo misterioso aconteceu. Não sei também se estava sonhando ou se estava acordado. Só sei que foi real. Senti-me envolvido numa força sobrenatural que imobilizava completamente meu corpo e, ao mesmo tempo, sugava-me através de uma luz branca em forma de cone que descia do teto e me envolvia. Era semelhante a um mosquiteiro, só infinitamente mais alvo e de uma força poderosa. Ventos e relâmpagos batiam na porta e na janela ao mesmo tempo. Parecia que alguém ou algo poderoso queria entrar no quarto, mas era impedido pela misteriosa, poderosa e alvíssima luz. Tentei mexer-me e não conseguia. Agarrei-me ao travesseiro, mas o travesseiro estava sob a minha cabeça. Do meu corpo inerte saia um novo corpo, leve, perfeito, puro, que subia conduzido pela luz branca em forma de cone. O corpo novo subia vagarosamente e o corpo velho, impotente, pensava na família (esposa e filhos) e no casal hospedeiro. Tinha consciência que estava morrendo e preocupava-se com o vexame do querido casal no dia seguinte. Foi então que, juntando todas as minhas forças, orei: Ajude-me, Meu Pai!… Foi a oração mais curta e a mais intensa de minha vida. Ela não foi pronunciada, apenas vivida na angústia da partida pelo corpo que ficava, e foi imediatamente respondida. A luz branca em forma de cone desapareceu suavemente, e todo o meu ser estava de novo no meu corpo dormente sobre a cama, e os relâmpagos, os ventos e as batidas violentas na porta e na janela cessaram. Tal experiência me trouxe a primeira imagem de santidade: LEVEZA.
A segunda experiência foi um encontro com meu filho Jusiel em glória, e isso aconteceu no dia 27 de janeiro de 2005, quase dois anos depois de sua partida. Esse dia foi marcante para mim por causa de uma visão celestial. Se acordado ou dormindo, não sei. Só sei que por um segundo a eternidade se manifestou. Se foi eu que fui arrebatado até ela ou se foi ela que desceu a mim, também não sei. Só Deus o sabe. Não ouvi palavras inefáveis, como o Apóstolo Paulo, mas vi coisas inefáveis. E, ao contrário do apóstolo, acho que é lícito me referir a elas às pessoas. Depois do almoço fui à soneca costumeira. Foi quando tudo aconteceu. De repente um quadro celestial vivo apareceu diante de mim. Era uma sala de visita de uma casa, ornamentada com quadros belíssimos de cores douradas e resplandecentes. Num canto dela estava Jusiel de pé, vestido de branco de uma brancura alvíssima, e sorrindo para mim. Um Jusiel de rosto sem manchas, cravos ou espinhas, luminoso, calmo, maduro de uma maturidade eterna… O sorriso era o mesmo, só que era como chamas de luz vivas, puríssimas e amorosas que penetravam em mim como raios purificando meu interior. Senti um gozo indizível e uma profunda paz. Foi uma visão rápida, mas eterna. Nunca a esquecerei. Fiquei por um tempo deitado olhando para o teto do meu quarto e o quarto pareceu-me iluminado. Daí julgar que foi a eternidade que penetrou no tempo abençoando minha vida para que eu pudesse melhor abençoar a outros neste sombrio mundo de dores, vaidades e mesquinhez. Pura graça divina que nos conforta em momentos críticos mostrando que estamos de passagem por aqui e que a esperança e o céu sorriem para nós. Eis a segunda imagem de santidade: PLENITUDE. E isso provocou em mim um santo desejo. Sim, é por santidade que todo o meu ser pulsa. Quero ser como Jesus: bom, sem dolo nem maldades, sem preconceitos e mentiras, e só amor. Quero, como meu filho em glória, sorrir chamas luminosas de amor, de alegria, de pureza e de profunda paz abençoado quem atravessar pela minha vida. Este é o meu sentido de vida e minha missão no mundo nos curtos anos que ainda me restam. Depois será a hora do pleno abraço eterno.
Não gosto de doutrinas ou dogmas por receio do fundamentalismo excludente. Quanta violência, injustiças e tortura já se fez em nome da reta doutrina. Mas gosto de princípios, e um dos princípios mais contundentes na Bíblia é, sem dúvida, a santificação. Deixando de lado o AT que também é claro sobre o assunto, olhemos para o NT: “Porque está escrito: Sede santos, porque eu sou santo” – 1 Pe 1:16; “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá ao Senhor” – Hb 12:14; “Pois esta é a vontade de Deus, a vossa santificação… Deus não nos chamou para a impureza, e sim para a santificação” – 1 Tess 4:3 e 7.
– O que é a santidade e santificação? Como podemos obtê-las? “Para o seguidor de Jesus Cristo ser santo não é uma opção religiosa, mas um imperativo fundamental definidor da sua salvação” (Tarsis Wallace). Como uma receita de bolo tem ingredientes essenciais, o ingrediente espiritual imprescindível à nossa fé é a santificação. Mas vivemos num mundo não santo e nós estamos longe de sê-lo.
UM MUNDO NADA SANTO
O diagnóstico bíblico do mundo é duro: “O mundo jaz no maligno” e “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Basta ouvir os noticiários diários para descobrir que o mundo está doente. Guerras, violência, mortes, intolerância, preconceito, etc. A mentira virou um estilo de governar e estilo de vida. O sistema econômico que governa o mundo é baseado no egoísmo, na ganância, e na acumulação de bens, e isso produz miséria, fome e pobreza para a maioria. Paulo tem razão quando afirmou que “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” e algumas denominações evangélicas estão dominadas pelo deus Mamon. – Como viver isso num mundo iníquo onde forças tenebrosas dominam?
Anomia – Cientistas confirmam que estamos vivendo um tempo de “perigosa inclinação à anomia” (viver sem lei). São as leis que estabelecem limites – Jó 14:5. Tal estado de anomia leva o homem à promiscuidade. Vivemos em plena era do relativismo por isso “comamos e bebamos porque amanhã morreremos” – Is 22:23.
O vazio existencial reina. Agostinho escreveu: “Fizeste-nos para ti, ó Deus, e a nossa alma só encontrará paz em ti.”. Há um vazio no ser humano do tamanho de Deus, infinito. Harald Schally, meu professor no seminário, dizia: “Deus quer compartilhar conosco a sua santidade…” Como usufruir da santidade divina em meio ao vazio existencial?
Egoísmo humano (“Obra da carne”- Gl 5:19-21) – Usa-se a Bíblia e Deus com cúmplice de suas doentias divisões e subdivisões. “Paul Tillich disse que quando a Bíblia afirma que “Deus é amor” (1 Jo 4:8,16) está dizendo que Ele é Aquele que une e reúne o que está separado e ninguém faz isso como Ele, e quando se refere a Satanás com o diabo (diábolos) está dizendo que ele faz exatamente o contrário: divide, fragmenta, fratura, polariza, etc. Como “anjo de luz” , agora das trevas, ele ludibria as pessoas fazendo-as reféns do seu mundo sombrio. E este é o drama humano: separado de Deus, de si mesmo e dos outros como o endemoniado gadareno do Evangelho. Essas são as frustrações humanas e origem de todos seus problemas.
Uma sociedade doente e uma igreja doente. O diagnóstico é claro: intolerância religiosa, racial e sexual, maquiagem religiosa, violência, mentira, divisões escandalosas, comercialização da fé, etc. A doença é revelada também no consumismo e no moralismo excludente. Pastores se suicidam, e um amigo meu diz que sua doença é doença de igreja. Com ser santo diante de uma sociedade e uma igreja doentes?
A RESPOSTA DIVINA: DEUS QUER A NOSSA SANTIFICAÇÃO
Nossa primeira referência: Deus. Ele é o único absolutamente Santo, e nos chama para um desafio impossível: “Sede santos porque Eu Sou Santo.” Mas Deus, nosso Pai, é quem nos santifica (Schally). O profeta Isaias, ao 20 anos, em crise existencial pela morte do rei Uzias, teve uma visão de Deus no templo de Jerusalém (Is 6). Via serafins angelicais voando e cantando: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos”. Em angústia diante desta visão, exclamou: “Ai de mim! Estou perdido porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos.” Um Serafim, com uma brasa viva do altar, tocou à sua boca, e ele foi purificado. E diante da voz divina: “A quem enviarei e quem há de ir por nós?” Ele respondeu: “Eis-me aqui, envia-me a mim”. João, em sua primeira carta nos fala duas coisas de Deus: A mais conhecida é “Deus é amor”; mas a segunda é igualmente grande: “Deus é luz e não há nele treva alguma”. Sua vontade, diz Paulo, é sempre boa, agradável e perfeita.
A segunda referência: O Espírito Santo. Só Ele “nos convence do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16:8) e participa decisivamente da nossa santificação. Ele é :Deus em nós nos dando profundidade de vida e poder para crescer sempre.
A terceira referência e modelo de santidade: Jesus Cristo. Ele é “O Santo de Deus” (Mc 1:24). O Apóstolo Paulo explica nossa razão de ser: “para sermos conformes à imagem de seu Filho (Rm. 8:29. Ele é o primogênito de toda a criação (Cl 1:15), o primogênito dentre os mortos (Cl 1:18); Apoc 1:5). Paulo abriu mão de sua religiosidade doentia porque foi encantado radicalmente pela “sublimidade de Cristo” (Fl 3:8), de excelência indizível e incomparável. Por isso o escritor aos hebreus nos exorta: “Olhando firmemente para o autor e consumador da nossa fé, Jesus…” (Hb 12:2). Jesus, mesmo santo, misturou-se com gente de todo tipo porque viveu o outro lado da moeda da vida santa: “a santidade para”). Sim, por há dois tipos de santidade: a falsa, afasta as pessoas, e a verdadeira atrai os pecadores. Uma vez justificados dá-se início ao processo gradual de transformação de nossa natureza. Seremos transformados “de glória em glória” (doxa=beleza). “De glória em glória” é a santificação. Assisti no Netflix o filme “Lucy”, uma ficção. Um professor universitário tem uma tese: “Nós só usamos 10% de nosso cérebro e já fizemos muito com isso. Se usássemos 100% seríamos eternos”. Acho que Jesus foi o único a usar 100% de sua potencialidade porque era cheio do Espírito Santo. Por isso era leve ao ponto de andar sobre as águas. O professor Harald Schally dizia no seminário que Jesus viveu plenamente como homem e abriu mão, como diz Paulo e Filipenses 2, de seus atributos divinos. Deus deseja que usemos 100% do que Ele nos deu, e isso é vida eterna, para além dos males deste mundo. Pecado é sermos aquém do que fomos chamados a ser. Mas o aprendizado começa aqui com a santificação porque vida cristã é isso: ser parecido com jesus.
A salvação tem três tempos ilustrados pela jornada do Povo de Deus do Egito a Canaã. Eles foram salvos da opressão egípcia quando saíram de lá (passado), mas o Egito continuava em seus corações. A jornada de 40 anos no deserto (tempo presente) é pra tirar o Egito dos corações, e a entrada na terra prometida é o tempo futuro. Assim, podemos dizer: Fomos salvos da condenação do pecado (tempo passado) quando aderimos a Cristo, estamos sendo salvos do poder do pecado (tempo presente/santificação), e seremos salvos da presença do pecado (tempo futuro).
Ser santo hoje, em meio a uma sociedade corrupta e uma igreja traidora de Cristo, é nosso desafio. “Sede perfeitos…” Mas isso só é possível com a trindade santa em nós.
A plenitude da vida é estar em sintonia com a Trindade Santa, recuperando a sua imagem e semelhança. Jesus veio para recuperar o projeto divino: uma humanidade à sua imagem e semelhança. “Para mim o viver é Cristo…”, afirma o Apóstolo Paulo.
Santidade e sanidade emocional, mental e espiritual é a mesma face da mesma moeda. Saúde emocional é essencial. Somos pesados porque carregamos cargas pesadas, muitos pesos inúteis e desnecessários… Precisamos de LEVEZA, A PLENITUDE é o objetivo santo. Daí, o imperativo paulino: “Enchei-vos do Espírito Santo!…”